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Passeio introspectivo em Ipojuca

Marly de Arruda Ramos Mota
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 23/02/2021 03:00 Atualizado em: 23/02/2021 05:54

Depois de muitos anos, voltei ao município de Ipojuca, um centro cultural reconhecidamente próspero. Nas minhas buscas ao Engenho São Francisco, andando por caminhos de massapés com velhas porteiras, gemendo ao se abrir e serem fechadas, sem encontrar vestígios do Engenho São Francisco. Será que perdi a trilha da minha esperança, na busca do chão onde nasci?

O nosso parentesco com o major Joaquim do Rego Cavalcanti, senhor do Engenho Penderama, primo carnal da minha querida avó paterna, Maria Amélia, fizera com que meus pais, Manoel Cavalcanti de Arruda e Maria Digna, recém-casados, viessem ocupar o Engenho São Francisco.  A paisagem litorânea para eles, vindos da região do semiárido, foi uma inovação. Familiarizados com a nova moradia, meu pai expandira o plantio de cana para a usina local.

Manoel Cavalcanti de Arruda, chamado por Nezinho, desde pequeno, guardou lembranças dos parentes próximos da sua mãe, Maria Amélia Bandeira de Melo do Rego Cavalcanti. Meu pai conheceu a sua avó, Maria Landelina Bandeira de Melo, viúva jovem e bela aos 27 anos, que se casou pela segunda vez com Jerônimo Cavalcanti de Albuquerque Melo, meu bisavô. No livro Bê-a-Bá de Pernambuco, publicado pela editora Massangana, Fundaj, o autor, Mauro Mota insere este registro.

Herculano Bandeira de Melo, governador de Pernambuco de 7 de abril de 1904 a 1908, irmão de Maria Landelina, novamente viúva, não fizera distinção entre a filharada. Os enteados não tinham parentesco consanguíneo com os filhos do último casamento, mas havia um forte relacionamento de fraternidade que os uniria pela vida afora.  

No belo sobrado do Engenho Santa Cruz, que pertenceu aos meus avós Maria Amélia e Heliodoro Gonçalves de Arruda, que costumo frequentar, adivinho na espaçosa sala, a longa mesa coberta com toalha de damasco, a música do piano suavemente tocada, a imagem de São João do século XVIII que ali ainda permanece. Nas varandas de ferro, repouso os meus olhos na paisagem que Anna Laudelina vislumbrou outrora.

Joaquim Cavalcanti, prefeito de Ipojuca, desejando meus pais próximos por mais tempo, nomeou papai delegado do município. Investido no cargo, recebeu a denúncia de que na vizinhança havia um grande tumulto. Arregimentara-se com dois policiais, determinado por acabar a barulheira em terreiro com participantes e curiosos que reclamavam da demora em baixar o “santo”. Com voz enérgica se fez ouvir: “Se não baixar o santo dentro de quinze minutos, levo todo mundo preso!” Alguns participantes se evadiram, pessoas apareciam na cadeia à procura dos parentes. Em Penderama, o major divertia-se com a façanha do primo delegado.

Sempre escrevi e organizei os meus diários de adolescente, depois com o incentivo dos amigos escritores, jornalistas, continuei minha participação na página Opinião do Diario de Pernambuco. No Jornal do Comercio, minhas crônicas foram acolhidas pelo diretor jornalista Esmaragdo Marroquim da nossa convivência, minha e de Mauro Mota.

Eleita com 31 votos para a cadeira 29 da Academia Pernambucana de Letras, em 2008, ocupando a vaga da grande escritora Maria do Carmo Barreto Campelo, tomei posse à noite do dia 21 de setembro de 2009. Saudou-me o tão querido amigo e compadre Marcos Vinicios Vilaça que, na Academia Brasileira de Letras, foi eleito para a cadeira que pertenceu ao nosso Mauro Mota. Como Ipojuquense, nessa celebração, recebi do pesquisador e historiador Rui Ferreira, uma linda corbelle de flores.

Rui Ferreira, conhecido como Rui de Ipojuca, atualmente trabalha para que seja concretizada a implantação do Centro de Cultura e Museu Arqueológico, na cidade de Ipojuca, tendo recorrido ao prestígio do presidente da Fundação Joaquim Nabuco, Dr. Antônio Campos, para acolher esse rico acervo cultural. Em Ipojuca, participei das festas culturais Flipojuca e Fliporto, quando fui homenageada. Após a sessão, fui levada a conhecer o Engenho São Francisco pelos amigos Ipojuquenses, diretor e escritor Eduardo Côrtes, o amigo pintor Marcos Medeiros, que fez o meu retrato a óleo e me deu de presente. No engenho, em beatitude entrei no quarto onde nasci, há 95 anos. Sou Ipojuquense de nascimento, sou bom-jardinense de coração, onde deixei a infância e adolescência e trouxe de lá extensas lembranças afetivas.

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