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O ódio à senectude

Michel Zaidan Filho
Professor-titular da Ufpe (aposentado). Coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia, da UFPE

Publicado em: 12/02/2021 03:00 Atualizado em: 12/02/2021 05:55

Ontem, fui visitar um pai de uma amiga muito querida num asilo geriátrico, em Boa Viagem. 0 pai dela tem 103 anos. A casa dos idosos é bem organizada e eles são bem tratados.

Mas a imagem da desolação é inevitável. Homens e mulheres idosos, de olhares perdidos, mudos. Imóveis. Gemendo de dores. E olhe que são famílias de posse. Não é um abrigo beneficente São Vicente de Paula.

Nesse momento, me dá uma tristeza muito grande de pensar na longevidade das pessoas numa sociedade como a nossa. Parece que não tem lugar para a velhice rica ou pobre. Como não tem para a doença ou a morte.

Essa constatação se choca com o pensamento dos filósofos antigos sobre a senectude (Sêneca, Marco Aurelio ) e o direito, o privilégio da velhice e o cuidado de si. A vida como preparação da provectude. E tem ainda os que comemoram a morte dos idosos, como economia de caixa!

Sociedade do desperdício. A experiência humana de uma vida inteira desprezada, desvalorizada por imperativos fiscais ou orçamentários. Triste. Muito triste.

Essa imagem do abandono e da desvalorização dos anciãos contrasta vivamente com o lugar dos mais velhos na cultura asiática e oriental. Aí, em lugar do mais novo, do descartável e do efêmero, nós vemos a veneração e o respeito aos antigos.Basta lembrar as imagens comparadoras de filmes como A balada de Narayma ou Rapsódia de agosto, onde os ancestrais são cultuados por serem os que se sacrificam pela sua comunidade.

Bem faria aos nossos governantes que lessem Sêneca, Marco Aurélio, filósofos estoicos que definiram a vida como uma preparação para a velhice e o cuidado de si. Talvez entendessem o significado filosófico da senectude, numa sociedade do espetáculo e da exposição - definida como o império do efêmero ou do simulacro - e o seu culto mercantil pelo “sempre-novo”.

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