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Melhor condensado ou condenado?

Fábio Jardelino
Jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação

Publicado em: 03/02/2021 03:00 Atualizado em: 03/02/2021 07:29

Na última semana, nos trending topics das redes sociais, só se falava em um assunto: leite condensado. A maravilha adocicada da culinária brasileira se viu num plot central de um possível superfaturamento envolvendo o governo do presidente Bolsonaro. Afinal, gastar mais de R$ 15 milhões em latas de leite condensado, e outra pequena fortuna em chicletes e outros itens ditos “supérfluos”, é de se estranhar - principalmente quando o país enfrenta uma pandemia sem precedentes e uma grave crise econômica.

Contudo, a nossa ética ocidental nos ensina que críticas e acusações precisam ter fundamentos, ainda mais em debates essenciais para o futuro da nação - mas não foi isso o que vimos. Pelo contrário, nas trincheiras da guerra entre o bem e o mal - sem aqui querer fazer julgamento sobre quem é o quê -, os dois lados políticos trabalharam sem descanso para concretizar uma narrativa vitoriosa. A oposição, de um lado, buscou incansavelmente somar mais um escândalo à imagem do já desgastado governo.  Enquanto que a ala bolsonarista fez malabarismo e usou sua força nas redes sociais para explicar a controversa compra, trazendo inclusive dados oficiais de consumo similar realizado em governos anteriores (governos que eles mesmos criticam).

No meio dessa guerra de acusações, as militâncias virtuais travaram suas batalhas em busca da narrativa que alcançaria mais pessoas, sem necessariamente se preocuparem com a verdade. Principalmente porque, no Brasil, presidentes só caem quando perdem o apoio popular, o chamado “fator rua” e nesse atual momento de mudança das presidências da Câmara e do Senado, um possível impeachment não é uma ideia descartável. O xadrez está sendo jogado.

Mas vale tudo para atacar um governo, mesmo com acusações sem a profundidade/apuração necessária? Em contraponto, é aceitável um presidente usar de insultos contra a imprensa para se defender? Aparentemente sim.

Hoje estão cada vez mais comuns os clickbaits, os memes jocosos e os fatídicos argumentos de 140 caracteres: ferramentas que se encaixam perfeitamente nas narrativas características da pós-verdade (quando os fatos objetivos têm menos influência que emoções e crenças pessoais). E enquanto esse tipo de argumentação continuar, só veremos o apodrecimento dos debates na esfera pública que nos cerca.

Na arte da retórica, ensinada por Aristóteles, para um discurso ser convincente e persuasivo, ele deve ser construído sobre três pilares: o Ethos (boa imagem do orador), Pathos (apelo às emoções) e Logos (argumento lógico). As discussões de internet estão esquecendo principalmente do terceiro pilar, o Logos. Mas no atual vale tudo onde piadas fantasiosas viralizam, a verdade é uma fraca aliada. “Melhor um presidente condensado, que um condenado”, diz a defesa bolsonarista, em memes que lembram o ex-presidente Lula, alvo prioritário do grupo. “Moçanaro, sabor da mamata”, estampam as latas de leite condensado, photoshopadas e compartilhadas incansavelmente pela oposição num ataque à principal narrativa bolsonarista: a do político incorruptível.

Enquanto isso, as discussões e investigações sérias sobre o gasto público desenfreado, necessárias para a estabilidade das instituições democráticas, ficam de lado.

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