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A leitura mágica

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República. Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King's College London - KCL

Publicado em: 10/02/2021 03:00 Atualizado em: 10/02/2021 07:33

Thomas Mann (1875-1955), que conheci por meio de Carlota em Weimar (1939), é um dos maiores escritores do século 20. Produziu romances, contos, ensaios e engajou-se na política, em especial contra os nazistas que emergiram em sua terra natal. É o maior romancista em língua alemã, superando, nesse gênero, até o enorme Goethe (1749-1832).

Nascido na cidade alemã de Lübeck (que conheci, há um bocado de anos, prestando-lhe a devida homenagem), em tradicional família de comerciantes, Thomas Mann era filho de uma brasileira, Júlia da Silva Bruhns (1851-1923). Ponto para nós! Seu pai faleceu jovem. A família foi viver em Munique. Seu irmão mais velho, Heinrich Mann (1871-1950), foi também escritor badalado. Alegadamente possuidor de desejos homossexuais, Thomas Mann, entretanto, casou com Katia Pringsheim (1883-1980). Tiveram seis filhos, todos eles intelectuais. Com Adolf Hitler (1889-1945) no poder, ele foi para o exílio. Primeiro Suíça, depois EUA, retornando à Suíça, onde faleceu e está sepultado. Thomas Mann foi agraciado com o Nobel de Literatura em 1929 e com o Prêmio Goethe em 1949, entre muitas outras homenagens.

A extraordinária obra de Thomas Mann foi escrita ao longo de cinquenta anos. De Os Buddenbrooks (1901), passando por Morte em Veneza (1912) e José e os seus Irmãos (1933-1943), até Doutor Fausto (1947), entre outros títulos. São maravilhas que fazem a defesa do humanismo – não do antropocentrismo, que é coisa diversa –, contra um mundo atormentado pelo extremismo e totalitarismo, pelo preconceito estúpido, pela violência e opressão. Tão atual!

Mas considero A montanha mágica, de 1924, como a opus magnum de Thomas Mann, a que mais representa o desejo do autor de nos presentear, discutindo todas as tendências do pensamento, os conflitos morais, psicológicos, políticos e sociais pelos quais um dia passamos, com um “romance de formação” (Bildungsroman), no qual os alemães são mestres, desde Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (1796) de Goethe.

Formatado logo após a 1ª Guerra Mundial, o romance é a representação de uma Europa enferma e dividida, espiritual e socialmente. Como consta da edição que possuo (Nova Fronteira, 1980), a ação se dá “na aldeia suíça de Davos-Platz, no sanatório Berghof. Aí se veem reunidos pela doença elementos de todas as raças e credos humanos. Aí se entrelaçam problemas, inquietações, sofrimentos, ilusões dos mais diversos matizes psicológicos. Aí, ainda que isolados do mundo da ‘planície’, os personagens, conscientemente ou não, padecem a influência dos acontecimentos de um continente dilacerado. Hans Castorp, o herói, chega a Berghof em visita a seu primo. Ao seguir o conselho médico de que nada perderia se passasse alguns dias cumprindo o mesmo regime de vida dali, descobre, quase por acaso, que também está doente. Inicia-se assim seu período de adaptação. (…). Entra em contato com diferentes personalidades, dedica-se ao exame das ideias de cada uma delas, ao mesmo tempo que se põe a aprofundar os grandes temas da Fé, da Morte, da Ciência, da Filosofia, do Amor e do Tempo”. Ao fim, o livro é a história de uma vida, de Hans Castorp ou de qualquer um de nós, à procura de um sentido.

A leitura de  A montanha mágica teve para mim um componente especial. Li-a faz um tanto de anos. Coisa de abril de 1997, segundo anotado no meu exemplar. Acima do peso, resolvi passar uns dias em um spa de águas quentes, muito quentes, em Mossoró/RN. Levei o dito cujo para fazer algo que faço sempre que posso: ler um livro no local – ou em ambiente assemelhado – em que se passa sua estória. É uma imersão. É mais que maravilhoso. E quem não tem Davos vai de Mossoró mesmo. Devemos agradecer o que alcançamos.

Bom, embora as condições de Mossoró – em especial, o clima – não fossem as mesmas de Davos, coisas extraordinárias aconteceram nesse meu retiro. Elas – ou ela – amadureceram-me. Formaram-me, tal qual a Hans Castorp. De toda sorte, o que à época foi ardente, hoje está frio e não deve ser ressuscitado. Para o bem de todos. Mas que foi uma leitura mágica, isso foi.

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