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Vacina e populismo

Alexandre Rands Barros
Economista

Publicado em: 19/01/2021 03:00 Atualizado em: 19/01/2021 05:07

Em momento em que o acesso a vacinas contra a Covid-19 fica sujeito a vicissitudes políticas de um presidente populista e altamente egocêntrico, cujas prioridades diferem, em muito, daquelas da população, os brasileiros se perguntam se a vacina vai funcionar no país. A minha opinião é que sim. Assim como no futebol, onde os cartolas corruptos e com prioridades obscuras atrapalham a nossa seleção, quando a cultura dos jogadores que entram em campo está afinada com a do povo brasileiro, ganhamos as competições internacionais. Assim será com a vacina. Quando o presidente e sua tropa deixarem de atrapalhar e o processo de vacinação se tornar operacional, aí iremos para as lideranças mundiais em imunização. Pois assim como jogar futebol, nós sabemos vacinar. O único risco para que isso não aconteça é os associados histéricos do presidente (crentes e outros fanáticos de plantão) convencerem a população de que não deve se vacinar. Porque não sabemos muito obrigar alguém a fazer algo que não quer.

O populismo, no Brasil e no resto do mundo, cria uma identidade com a população ao se associar a algumas de suas prioridades que não têm sido satisfeitas com credibilidade pelos mandantes no establishment. No caso do Brasil, a anticorrupção e o conservadorismo em valores morais foram as bandeiras desprezadas pelas elites dominantes dos establishments político, intelectual, cultural e empresarial. Isso levou à ruptura, a partir de um discurso populista em que a simplificação da comunicação coloca o “nós” (não corruptos, e morais) contra “eles” (tolerantes e corruptos). Não se faz necessário se criar um discurso consistente e baseado em fatos reais, dado que percentual elevado de seguidores está afastado do padrão cultural dos chamados weirds (westerners, educated, industrialized, rich and developed), raciocina de forma mais simplória, por blocos e não aplica processos consistentes de checagens de rigor lógico e veracidade dos fatos. Isso faz com que uma liderança que parece estar associada a milícias criminosas no RJ e a rachadinhas possa aparecer como líder de não corrupção e de “elevados” padrões morais. Dentro do escopo de sua liderança é possível minar o processo de vacinação a partir da redução da demanda da população. Os non-weirds, que compõem a base de apoio político do presidente são capazes de criar concepções contrárias às vacinas e a sensibilizarem parte relevante da população. Essa é a maior ameaça ao sucesso da imunização.

Há, contudo, esperança de que a cultura brasileira prevaleça e traga os resultados dentro de nossa capacidade, que significaria imunizarmos ainda este ano mais de 90% da população. Temos tecnologia de processos e capacidade de mobilização da população para tal. Agora é torcer para a seita populista não atrapalhar muito e desandar o processo. No entanto, não devemos esquecer que em 2006 conseguimos perder uma Copa do Mundo com um time dos sonhos. Vamos evitar que a seita populista nos derrote em 2021 de novo.

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