O que surpreende, imediatamente, neste livro da jovem, ainda muito jovem escritora mineira Marcela Dantés, é a maturidade de quem entendeu muito cedo que escrever ficção é o rito sagrado de encontrar no seu silêncio o sentimento da frase. Isto mesmo, escrever ficção é a revelação da alma, não pode parecer, sequer parecer com redação escolar.
O romance Nem Sinal de Asas, publicado pela Editora Patuá, São Paulo, conta o sentimento – e não a história – de Anja, a quem faltam as Asas -, com uma habilidade que é puro coração e alma. Vem daí a paixão das frases, da união das palavras. Enfim, o sentimento.
Leiam agora, por favor, é ela, é a narração com a voz que vem de Marcela, a que escreve, mas não conta: ”Nunca usou diminutivos em excesso ou aquela voz desafinada que algumas pessoas pareciam achar que era o único som que crianças como Anja eram capazes de entender.”
Assim mesmo, o autor ou autora não pode assumir o lugar do personagem ou da personagem que conhece a intimidade do texto. Um equívoco enorme. A intimidade do texto é do/da personagem cuja vida está em jogo. Portanto, é dele ou dela, o sangue e o suor.
Uma verdade que poucos procuram entender: O autor/a não é o narrador, portanto não se meta; sem adjetivos inconsequentes e barulhentos; sem tempos verbais óbvios; sem frases vaidosas; o narrador/a é um/uma personagem escolhido pelo autor para abrir portas com a chave mágica.
Assim, é um sentimento, uma melodia que termina por contar uma história, se é uma história que a gente quer ler. Seja feita a vossa vontade. Marcela parece dizer. E acrescenta, mas isto aqui não é um jornal, não tem notícias, tem vida. Duas grandes escritoras brasileiras alcançam este efeito: Clarice Lispector e Hilda Hilst.
Marcela Dantés conhece tudo isso. E usou estas ferramentas para escrever este livro – Nem Sinal de Asas – que é uma lâmina cortando a pele do leitor. Não é um romance, não é uma novela, é o sangue escorrendo nas veias. Quem viver, leia.