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O futuro das cidades

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República, Doutor em Direito pelo King's College London - KCL

Publicado em: 02/12/2020 03:00 Atualizado em: 02/12/2020 06:00

Outro dia, na televisão, vi alguém vaticinar: “se o século 19 foi o século dos impérios; se o 20, o dos países; o 21 será o das cidades”. Deverá ser mesmo. Até porque, como já disse aqui, segundo estima a ONU, se no começo do século 19 apenas 2% da população mundial vivia em espaços urbanos, esse percentual será de 66% lá pelo ano 2050. Muita gente!

Estes dias, o tema ganha ainda mais relevo para nós, brasileiros, porque estamos terminando, com o segundo turno das eleições municipais, de escolher o futuro das nossas cidades. O futuro próximo, pelo menos.

Mas como será esse futuro no decorrer do século 21, quando habitaremos, a imensa maioria de nós, nesses tais espaços urbanos, muitos dos quais verdadeiras megalópoles? A história, os urbanistas, os entendidos nos ensinam muito. Para escrever este riscado fui até consultar dois livros que possuo: História da cidade (Editora Perspectiva, 1983), de Leonardo Benevolo, e A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas (Martins Fontes/Editora Universidade de Brasília, 1982), de Lewis Mumford. São dois clássicos. Dois tijolões que, para aqueles interessados em se embrenhar pelo tema, recomendo deveras.

Os europeus – e tiro isso por duas fontes que tenho acompanhado estes dias, o canal de TV Deutsche Welle Brasil e as aulas na Aliança Francesa – são otimistas quanto ao futuro das cidades. Ou, pelo menos, ao contrário de alguns, estão trabalhando para fazer esse futuro melhor.

Tirando pelas nossas discussões em sala de aula, por exemplo, é possível apresentar quatro tendências de evolução das cidades. (i) As cidades serão mais densamente povoadas. Isso tem seu lado ruim, evidentemente. Mas tem também o lado bom de evitar a utilização/desflorestação dos espaços naturais/verdes ainda existentes. Para além disso, como forma de diminuir o aquecimento e aumentar a captação de CO2, prevê-se a criação de muitos espaços verdes, inclusive para fins alimentares, integrados aos imóveis residenciais e comerciais do futuro. (ii) A existência de bairros ou cidades inteiras autossustentáveis energeticamente. Eles poderão produzir sua própria energia limpa e autorrenovável, consumindo-a localmente, nas moradias, no comércio ou nas indústrias locais ou mesmo na mobilidade urbana. (iii) A tal mobilidade urbana, tão importante para as pessoas e para o meio ambiente, será muito mais diversificada, conectada e limpa. O próprio conceito de mobilidade é um avanço em relação ao de simples transporte. Seus meios serão os mais diversos: trens/metrôs automáticos, carros autômatos, teleféricos, muitas bicicletas, patinetes, drones etc. Os usos serão também diversos: locação livre e imediata de carros e bicicletas, compartilhamento de quase todos os tipos de transporte, garagens automáticas, reserva e utilização via aplicativos de celulares e por aí vai. Aliás, algumas dessas coisas já são hoje pura realidade. (iv) Os computadores estão hoje por todo lugar. O mundo se torna digital. Não seria diferente com a gestão urbana. Conforto, gestão de energia, geolocalização, comunicação, videovigilância, são muitíssimas as aplicações. E com o galopante desenvolvimento das tecnologias, veremos a existência de um real big data urbano.

Um cenário quase sempre positivo, com exceção, talvez, do tal big data. Se as vantagens de uma cidade inteligente são inegáveis, nos trazendo conforto e segurança, há a possibilidade de cairmos na videovigilância total. Pelo governo, por um partido, por gigantescas empresas ou por um algoritmo qualquer. Uma sociedade pan-óptica. Em detrimento do cidadão e da democracia. Da privacidade e das liberdades civis. Tipo o Big Brother is watching you, para usar da alegoria criada por George Orwell (1903-1950) em “1984” (Nineteen Eighty-Four, 1949).

Ainda são profecias para o futuro? Talvez. Mas têm base. São factíveis. São mesmo tendências, como já dito. E nos mostram esperança para além dos problemas e dos perigos. Sem falar que, como defende o já citado Lewis Mumford, novas conformações urbanas mudam não só as cidades em si, mas também, para sempre, o homem e todos os seres vivos que nelas habitam.

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