Diario de Pernambuco
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Da galinha de Guiné

Vladimir Souza Carvalho
Magistrado

Publicado em: 05/12/2020 03:00 Atualizado em: 05/12/2020 06:22

Foi no sítio de vovô Aristides que eu conheci a galinha de Guiné ciscando o chão. Nome que ouvi – Guiné -, sem alusão ao fato de ser apenas uma galinha oriunda de Guiné, o nome do sítio de origem a batizá-la. Havia também outro nome, fruto da sonorização de seus pios: ´tou fraco, ´tou fraco, ´ tou fraco. Ora como Guiné, ora como ´tou fraco, ´tou fraco, ´tou fraco, foi assim que a galinha de Guiné me foi apresentada quando eu era ainda menino.

A galinha de Guiné sempre se manteve afastada do meu caminho. Papai nunca comprou nenhuma para o quintal lá de casa. A adquirida, era a comum, sem o acompanhamento do nome do torrão natal, apenas galinha, e, para não aparecer assim, pagã, sem nenhum sobrenome, ganhou o complemento de pedrês, isto é, galinha pedrês, e, às vezes, para lhe conferir um certo ar de importância, galinha pedrês do pescoço pelado, a que, aliás, papai dava preferência.

Há pouco, escapando da prisão que a pandemia impôs, pude, em imóvel rural, por alguns dias, apreciar um bando de galinhas de Guiné e de galinhas comuns, estas modestamente plebéias, a cercar a casa onde ficamos instalados. Lá estavam galinhas de Guiné, invariavelmente em grupo isolado, futucando juntas o chão de capim. Ao redor, guardando a devida distância, a galinha pedrês, ora sozinha, ora acompanhada por uma ou outra do mesmo naipe, galinhas em número bem maior, dispersas em vários locais diferentes, sem se aproximar das galinhas de Guiné, como se entre elas reinasse um muro como obstáculo, muro que a gente não via.

A galinha de Guiné me lembra as velhinhas indo para a missa, chalé nos ombros, vestido até o pescoço, curvadas pelo tempo, sem levantar o rosto, digo, o bico, para ninguém, na respeitabilidade que a velhice impõe. Tal e qual! Depois, o mesmo comportamento das galinhas de Guiné do sítio de vovô Aristides, isto é, todas juntas, sem se relacionar com as demais, digamos, as primas pobres. Aí, então, me veio a grande descoberta: as galinhas de Guiné devem carregar um forte complexo de nobreza, a justificar a distância que mantêm das comuns, não se relacionando com outra em seu redor. Vai ver que passaram pela Índia, assimilando o distanciamento exalado pelas castas sociais. Aposto

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