Diario de Pernambuco
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Réquiem para meus pais

Vladimir Souza Carvalho
Magistrado

Publicado em: 28/11/2020 03:00 Atualizado em: 28/11/2020 06:04

No dia do sepultamento de meu pai, de manhã bem cedo, o café ainda não tinha sido servido, - e, do café e do almoço, não me lembro nada, - uma senhora, Brinca, ao se aproximar, ela, que nunca tinha me dado nenhum nem leve cumprimento, veio em minha direção, que caminhava, solitariamente, na calçada, a perguntar se era meu pai que estava sendo velado. Desconfiara da porta toda aberta. Já me fez a indagação com lágrimas nos olhos.

Tia Pequena, depois, perguntaria a mamãe quem era uma senhora baixa, que, ao cobrir o peito de papai de flores, lhe dera um beijo na testa, no começo da manhã. Mamãe respondeu que só podia ser Laudice de Juca, que era sua amiga. Outra senhora, pela manhã, que eu nunca soube o nome, chegou ao velório a dizer que, quando a mãe morreu, papai foi a primeira pessoa que chegara em sua casa, para lhe prestar a assistência devida. Na missa de sétimo dia, já no Aracaju, d. Graça de seu Rosendo se aproximou de mim, depois da missa, e, enquanto dos olhos caiam lágrimas, apregoava, com a voz baixa: era meu amigo.

Papai era o guardião dos túmulos do Cemitério das Almas de Itabaiana. Quando um conhecido de Itabaiana, morador no Aracaju, falecia, logo ele recebia um telefonema para providenciar a abertura da sepultura tal, onde o novo morto seria sepultado. Depois ganhava um par de meia.

Um dia de domingo, de manhã cedo, eu tinha terminado de tomar café, quando ele chegou da missa, arranjou um saco de plástico e voltou à rua. Perguntei-lhe para onde ia. Para o cemitério.

Abrir à sepultura de Nenê de Genésio para, à tarde, um sobrinho ser enterrado. Pedi que me esperasse. Fomos juntos. O coveiro, com um martelo, batia no azulejo da sepultura, e papai, por perto, cigarro na boca, a presenciar. De quando em quando, dizia para prosseguir na batida, até que aberta a sepultura, o que restava foi puxado pelo coveiro, o cabelo da falecida com uma cor que não sei dizer qual, os ossos incompletos e quebrados. Antes da abertura total, mandou que eu me afastasse, por causa do bafo que da abertura exalaria. Não discuti. Obedeci.

Três dias antes de falecer, com dificuldade, foi ao cemitério. O coveiro se espantou. Dele, apenas uma explicação: aqui só volto morto. Na segunda seguinte, no final da tarde, num caixão modesto, cumpriu a palavra. Mamãe, muitos e muitos anos depois, lhe foi fazer companhia.

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