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Repercussões processuais da cultura do estupro

Isabela Lessa Ribeiro
Vice-presidente da ESA OAB-PE, advogada sócia do Bahia, Lins e Lessa e coordenadora do curso de Direito da Faculdade Nova Roma
opiniao.pe@diariodepernambuco.com.br

Publicado em: 16/11/2020 03:00 Atualizado em: 15/11/2020 21:44

O vídeo (editado ou não) da audiência do caso Mariana Ferrer evidencia uma triste realidade ainda tão presente nos processos: a discriminação de gênero como estratégia de defesa. Precisamos indagar qual é o papel de cada sujeito processual e se ele foi bem desempenhado.

A filmagem revela que no local e momento em que acolhimento deveria ser o foco para construção de uma ambiência propícia à justiça, a possível vítima é oprimida, descredibilizada e desrespeitada. Chora copiosamente e é advertida que “suas lágrimas de crocodilo não comovem ninguém”.

A utilização de discriminação de gênero como estratégia processual não foi inventada neste processo, aqui se colocou holofotes nesta “técnica de defesa” misógina graças à divulgação do vídeo. Este mostra o advogado do réu esmagando Mariana, ela é vilipendiada com palavras, com a descredibilização de suas liberdades individuais de mulher. Enfim, um show de horrores.

O advogado, que deveria ser indispensável à administração da justiça, como dispõe a Constituição e reafirma nosso Código de Ética, que teria o dever de proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia adota uma estratégia processual de inversão de papéis, culpabilizando a vítima, questionando a sua moral e revelando a cruel faceta do machismo estrutural que nos circunda e que não admite que mulheres livres, bonitas e felizes não sejam culpadas do mal que lhes aflige: elas devem ter provocado com aquela roupa ou aquele batom.

É lamentável ver um colega de profissão ultrapassar os limites da nossa atuação profissional e dar um show de desrespeito, deselegância e grosseria. Na ânsia de descredibilizar a vítima, achincalha nossa profissão.

Se o advogado pecou por ação, os demais sujeitos processuais presentes pecaram por omissão. O Ministério Público a quem incumbe a defesa da ordem jurídica, não fez o suficiente para conter o circo de horrores que ali se desenrolava. O juiz que teria o poder de polícia na sala de audiência e deveria assegurar a urbanidade assiste com relativa passividade.

É triste constatar que nosso sistema judicial ainda possua uma face tão machista, patriarcal e, no fim, muitas vezes descompromissada com a justiça.

Um episódio assim, faz com que nós, mulheres, nos sintamos desamparadas ao percebermos como corremos o risco de ser julgadas e vilipendiadas se formos estupradas.

Salta aos olhos como a cultura do estupro influencia no processo. Então, nós que acreditamos na justiça e laboramos com afinco para construí-la temos que pensar nosso papel na superação desta cultura, pois: a culpa NUNCA é da vítima!

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