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A onda de 2018 era uma marola?

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
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Publicado em: 16/11/2020 03:00 Atualizado em: 15/11/2020 21:43

Parecia avassaladora a rejeição aos velhos partidos e seus políticos. Descontentamento geral contra tudo que cheirasse a establishment e a PT. Bolsonaro surfou uma onda óbvia. Catapultou personagens desconhecidos. Governadores dos maiores estados se elegeram dele se aproveitando. João Doria, Wilson Witzel, Romeu Zema e Carlos Moisés não se elegeriam sem ele. Claro que o conheciam, pois o personagem está na política há décadas. Deputados e senadores sem qualquer serviço prestado tiveram votações estrondosas. Os filhos, Joyce, Major Olímpio e tantos outros desconhecidos. Parecia que uma nova casta de dirigentes políticos vinha para ficar.  

Nessas municipais, alguns candidatos a prefeito desenharam estratégias para capturar o voto bolsonarista. Escrevo ainda sem os resultados. Mas constato que as últimas pesquisas mostraram o fracasso dos candidatos apoiados explicitamente por Bolsonaro em 34 municípios. Em São Paulo, Russomano não foi ao 2º turno. Crivella, no Rio, desidratou-se. Idêntico destino da delegada Patrícia no Recife. E de Eduardo Braide em São Luís. O único candidato bolsonarista forte é o capitão Wagner, que liderou as pesquisas em Fortaleza, mas deve ter sido ultrapassado por Sarto Nogueira, o candidato dos Gomes. Ele era um candidato que já vinha forte de outras disputas. Por isso, fala-se de um envelhecimento precoce da “nova política” que teria surgido com Bolsonaro. O eleitorado revelou-se refratário aos novatos salvadores da pátria. Talvez aprendendo com a inépcia do presidente, hoje com elevada rejeição. Nas grandes cidades, sua aprovação (ótimo/bom, Datafolha) tendo caído para apenas 23% em São Paulo, 28% no Rio de Janeiro e 27% no Recife. E a reprovação (ruim/péssimo), tendo alcançado, respectivamente, 50%, 42% e 45%. O eleitorado tira conclusões também do ocorrido com os governadores do Rio e de Santa Catarina, já afastados por corrupção.

Abandono similar está acontecendo com o PT, no outro lado do espectro.  Em 2016, o partido já havia perdido 60% dos municípios que então governava. Agora, sai praticamente varrido das capitais e grandes cidades. Nas capitais, os candidatos do partido ficaram bem posicionados apenas em Vitória, com João Coser, Recife, com Marília Arraes, e Rio, com Benedita.

Em outro sinal de cansaço com a polarização, o quadro político emergente é de pulverização mais concentrada ao centro. O PSDB, que antes polarizava com o PT, não sai com a força que já teve, embora tenha ido bem em São Paulo, Porto Alegre, Natal, Teresina, Palmas e Porto Velho. Dos velhos partidos, o DEM, que havia sido varrido, agora retorna redivivo. Liderou em 5 capitais: Salvador, Rio, Curitiba, Florianópolis e Macapá. Seus estrategistas ACM Neto e Rodrigo Maia já imaginam construir alianças que ultrapassem a polarização de 2018 entre Bolsonaro e o candidato de Lula. Sonham com uma alternativa de centro-direita. O velho MDB disputou a ida ao 2º turno com chances em Goiânia, Teresina, Cuiabá, Boa Vista, Porto Alegre, Belém, Maceió e João Pessoa. No campo da centro-esquerda, o desempenho dos agora aliados PDT e PSB (Rio, Fortaleza, Recife, Aracaju, Maceió e Rio Branco) alimenta expectativas de uma alternativa de centro-esquerda.

Embora as eleições municipais muito tenham a ver com as questões específicas locais, ontem emergiu um quadro de pulverização das forças políticas que antes estavam polarizadas em dois grandes eixos: o liderado por Bolsonaro e o outro hegemonizado pelo PT. Isso aponta para um espaço de reconstrução da política. Há fortes sinais de cansaço com a polarização que empobrece o debate. Que divide os amigos e as famílias. E que dificulta a conjunção de esforços para superar os graves problemas nacionais. Claro que alternativas construtivas para 2022 ainda estão muito distantes. Os atores que poderiam viabilizar algo nessa direção não parecem maduros para um diálogo ao nível de gente como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. Mas essas eleições municipais podem ter dado um claro sinal de que o eleitorado cansou da antiga fórmula dos salvadores da pátria e dos que se erguem com a simplificação populista do ‘nós contra eles’.

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