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Cartão de crédito, um convite arriscado

André Maia Gomes Lages
Economista pela UFPE, e professor de Economia da FEAC/UFAL

Publicado em: 22/10/2020 06:15 Atualizado em:

O que parece óbvio pode perder atenção de olhares mais aguçados. Mas existem casos em que a informação (ou observação) se faz mais do que necessária. O assunto é cartão de crédito e apenas um aspecto do problema (ou solução), depende do caso.

O cartão de crédito é um convite ao consumidor a comprar produtos que não teria acesso na condição à vista. Então, muita gente não tem noção do risco nesse caso. Se você faz uma compra parcelada em que o produto ou serviço tem o mesmo  valor da compra à vista, estaria agindo com sabedoria?

Seria uma verdadeira faca de dois gumes. Por que?  Vamos  para algumas considerações.

Quanto maior a quantidade das parcelas de um mesmo valor à vista com o valor a prazo, é um convite a compra por, pelo menos, dois motivos principais: (i) baixa o valor das parcelas, permitindo seu acesso a produtos fora de seu horizonte de renda.  (ii) o elevado número das parcelas vai lhe auxiliar também, porque a correção monetária pré-fixada pode lhe beneficiar por conta da inflação. Em que sentido?  Quanto maior o erro cometido na estimativa da inflação, sendo maior do que o imaginado, melhor para você consumidor. Se fosse comprado à vista então, seria péssimo nesse sentido, estaria pagando um preço superior ao do chamado em algumas situações do mercado “spot” ou mercado à vista. Quanto maior o valor do produto, maior seu ganho.   

Acontece que esses parcelamentos representam o que se chama de faca de dois gumes. O motivo é simples, caro leitor, existe na sua casa a chamada renda familiar. E se essa renda depender somente de você, ainda pior. Existe a clara e urgente necessidade de sua verificação de quanto de sua renda estaria ficando comprometida mensalmente por conta desses parcelamentos. Isso acontece em muitas famílias.

E nesse quadro existem alguns tipos de devedores. O primeiro é o irresponsável,  aquele que se endivida com a certeza de que não vai pagar. Muitas lojas do varejo precisam ficar atentas a esse tipo. Existe uma vasta quantidade de pessoas com esse perfil contando vantagens em uma roda de amigos. Não queira seguir esse caminho. O segundo tipo seria o sonhador. Ele não é irresponsável no sentido dado ao outro, mas porque fica sonhando com algo fora de seu alcance. Imaginando que vai passar em um concurso que irá aumentar sua renda, mas que ainda não passou. Imaginando que alguém da família vai ganhar um emprego que ainda não ganhou. Imaginando que vai vender um bem de baixa liquidez que ainda não vendeu. Enfim, existem várias  situações, onde o sonhador se enquadra. E quem está lendo essas linhas, pode visualizar  alguém assim.  Fulano é assim mesmo!!! Esses personagens da história da vida de cada um geralmente não são pessoas de má índole. Mas vulneráveis à  propaganda e/ou pressões familiares. E, ao final das contas, será a vítima. Geralmente, pagam a conta de seu erro com acusações de irresponsável, quando os familiares são menos agressivos. Em casos mais graves, podem  até acusar o pobre coitado(a)  de ter uma amante, ou um amante. Hilário (risos). Não conseguem nem administrar o orçamento da família. Imaginem duas casas.  Esses relatos já foram ouvidos alhures.

Então, existe o terceiro devedor, aquele que vai honrar com todos os compromissos. Por ser organizado, por não precisar ter um curso de educação financeira. Por ser consciente de sua capacidade de pagamento.     

Entre as  virtudes desse devedor, está a de não fazer compras parceladas em excesso. Se o assim o fizesse,  ele estaria  comprometendo  parte relevante de seu salário para pagar a fatura do cartão de crédito mensal.  Apesar dos juros do cartão ser um  pouco mais baixo atualmente. Isso deveria também ser vinculado indiretamente a queda da taxa Selic para  patamares muito inferiores na conjuntura recente, mas ainda assim é um juros elevado por motivos que não cabe aqui analisar.

Dessa forma, ilustre leitor, é preciso prudência. Evite compras parceladas em exagero no seu cartão de crédito que irão comprometer parcelas elevadas de sua renda familiar ou de seu salário.  

Claro, se vossa senhoria passar a fazer parte relevante dos pagamentos à vista, evitará todos os problemas observados anteriormente.  Caderninho ou registro no seu computador. Deixar a esposa ou esposo informado da situação, ajuda. Transparência.  

E observe que existem situações completamente fora de seu horizonte de imaginação mesmo para os maiores sonhadores ou pessimistas. Quem em junho de 2019, por exemplo, poderia prever o efeito devastador do Covid-19?. A mudança de patamar de renda de diversas famílias, até  depender do auxilio emergencial do governo. Uma mudança radical  no ambiente macroeconômico e também microeconômico. Com uma subida vertiginosa da taxa de desemprego, queda da inflação fora da previsão normal, queda do PIB.

Entender como deve ser o hábito correto de lidar com o cartão de crédito é permitir que se tenha uma certa estabilidade na vida, sem os dissabores de não ter como pagar a fatura mensal. E muitas vezes levar a uma crise familiar, quando faltará sensatez nas tomadas de decisão.

Deve ser lembrado, enfim, que se deve prolongar a vida de bens de consumo duráveis, sem compras de produtos desnecessárias, assim como planejar tais compras ao longo do tempo de acordo com  sua capacidade de pagamento.  No primeiro aspecto, você certamente estará ajudando a se ter um planeta com um desenvolvimento mais sustentável. E no segundo, a viver com mais estabilidade financeira. Poupar alguma coisa, nesse contexto, também é  importante, saber aplicar seu dinheiro. Fazer ele render para fazer frente às emergências. E imprevistos que batem a nossa porta sem pedir licença. 

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