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Marcante mês de agosto

Marly Mota
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 03/09/2020 03:00 Atualizado em: 03/09/2020 06:16

O calendário do mês de agosto de 2020 assinala com justiça marcantes datas e dignitários da nossa cultura.  Esse espaço me concede modestamente lembrá-los. No dia 16, do ano de 1911, nasceu Mauro Mota no Recife. Poeta e escritor, presidiu por 10 anos a Academia Pernambucana  de Letras e ocupou a cadeira de número 22, na  Academia Brasileira de Letras, por 14 anos. Mauro Mota dedicou 45 anos de intensos trabalhos ao Diario de Pernambuco, então órgão dos Diários Associados, fundado por Assis Chateaubriand. No dia 19 do ano de 1922, nasceu Joaquim Nabuco no Recife. Gilberto Freyre, em homenagem ao abolicionista, criou o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais em 1949, onde Mauro Mota foi diretor executivo no período de  1956 a 1970, nomeado pelo então presidente Juscelino Kubitschek .

Em alusão ao dia 19 de agosto de 1900, falecimento de Eça de Queiroz em Paris, ocorreu-me a boa lembrança dos Encontros Ecianos, quando muitos admiradores da obra do escritor se reuniam em torno da mesa, seguindo as ementas dos jantares descritos em seus livros. Aspectos da sua vasta obra eram debatidos, estando à frente do grupo o presidente Dagoberto Carvalho Junior,  médico, estudioso da  obra de Eça de Queiroz. Entre os muitos participantes ecianos, da minha lembrança e convivência, destaco Beatriz Bernine, Dário Moreira de Castro Alves, embaixador do Brasil em Portugal, jornalista Gladstone Vieira Belo e Ana Lúcia, escritor Paulo Cavalcanti, Magnólia  Cavalcanti,  José Quidute, José Rodrigues de Paiva, Zuleide Duarte, Olímpio Bonald Neto, meu primo Frederico Pernambucano de  Mello, Ângelo Monteiro, Maurício Motta e o escritor gravataense Alberto Frederico Lins. Após vinte anos de atuação, Dagoberto e Cristina Carvalho deixaram marcantes presenças. Ocupou a  presidência da  Sociedade Eça de Queiroz, Dr
Silvio Neves Batista,  cultor da obra  de  Eça, advogado, professor, membro da  Academia Pernambucana de Letras.

Na retomada desse mês de agosto, dos distantes anos da meninice, dos nossos caprichos e vaidades,  procurando me esconder da opinião dos adultos por medo de  receber  “carão”, motivo de zombaria dos que tinham a nossa idade. Nas férias do nosso colégio de freiras alemãs, meu pai me levou com a prima Heloisa a passar uns dias  na bela casa do Engenho Santa Cruz dos nossos avós paternos  Heliodoro Gonçalves Cavalcanti de Arruda e da nossa querida  avó Maria Amélia Bandeira de Melo do Rego Cavalcanti. Com eles morava a velha  tia bisavó,  Teresa, conhecida  por Sinhá Té. Tão bonita, letrada, viajava de vapor para o estrangeiro. Diziam os mais velhos que Sinhá Té não casou porque não quis! Heloisa, no sobe e desce ao derredor do sobrado, viu cajueiros e mangueiras carregadas. Num impulso, tirou os sapatos, subiu escalando os galhos para colher uma linda manga rosa. Da varanda, a tia sinhá viu a proeza de Heloisa que andava comigo, descobrindo coisas. No quarto, com a porta semiaberta, sentimos o perfume da tia. Entramos e ficamos surpresas com tantos livros, uma tentação! Um deles tinha o nome de Colette. Quem seria? Escondidos na estante, quatro livros de capa dura, todos do mesmo autor, Eça de Queiroz. Heloisa, logo ressaltou: Vamos pedir à tia para levar os romances para ler em casa. Sinhá Té, categórica, nos diz: Não são livros recomendados para vocês, meninas. Levem os livros de volta à estante. Ficamos com medo da velhice. Heloisa se foi!  Eu, com 94 anos, arrisco-me a escrever  o que ficou da menina que fui antes.

A Cidade e as Serras levara-me à minha cidade de Bom jardim no Agreste,  encravada entre serras que se aconchegavam umas as outras. Lendo O Primo Basílio, anexada a ele, encontro  a carta enviada ao  Eça por seu pai, o Dr José Maria D´Almeida de Teixeira de Queiroz, de onde transcrevo pequeno trecho : “Aqui tens em poucas palavras  o meu juízo sobre o romance, que acho admirável, e como  em Portugal  não se faz. De resto deixa falar ou não falar  os invejosos e vai por adiante. Recomendo-te só  que em tudo o que escreveres evites descrições que senhoras não possam ler sem corar. Saudades de todos, teu pai.”

Eça de Queiroz levou-me como arista plástica a unir minhas pinturas aos textos dos seus livros: Os Maias, O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio. O trabalho que fiz, intitulado Cenas Ecianas, em saudação ao grande Eça, foi exposto na Galeria Baobá, da Fundação Joaquim Nabuco, junto à mostra Percurso da Geografia Queiroziana, comandada pelo escritor Manuel Lopes, de saudosa memória, na época à frente da Casa de Cultura e Biblioteca Rocha Peixoto. No projeto de itinerância, as Cenas Ecianas também foram apresentadas nos Gabinetes Português de Leitura do Recife  e do Rio de Janeiro, retornando para Portugal, sendo exibida em várias cidades e, por fim, com aquisição do Museu de Etnografia e História da Póvoa do Varzim, berço do nascimento de Eça de Queiroz.

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