Diario de Pernambuco
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Do ginásio e de algumas paixões

Vladimir Souza Carvalho
Magistrado

Publicado em: 05/09/2020 03:00 Atualizado em: 05/09/2020 05:50

O recreio, vários, num turno só, era gostoso por um fator em especial. Esclareço. Os quarteirões imensos, sobretudo para os que, como eu, vinham de uma sala de aula a comportar todos os alunos. O passeio se fazia, as meninas – e havia algo mais belo? - em suas blusas brancas e compridas saias de cor azul, eis o motivo, e, mais ainda quando, em meio às alunas novatas, de turmas inferiores à minha, aqui e ali, aparecia um rosto que me lançava uma mancha de atração, a se fixar, ganhando a força de grude que, muitas vezes, demorava a despovoar o coração.

Foi o que passei na segunda série, os meus olhos se enchendo com um rosto bonito, ela, inacreditavelmente, a demonstrar um intenso medo de estar ali. Se eu me caracterizava pela timidez, precisando de um puxavante de cabelo para poder agir, um rosto amedrontado fazia o papel de muro, a dificultar, ainda mais, a coragem de ultrapassá-lo. Fiquei só nos olhares, que nunca encontraram ressonância, rosa que nunca cheguei perto, nem me aventurei a conversar.

Depois foi a vez de aluna também da primeira série. Eu a via nos recreios, lépida, atraente, a mexer com meus anseios. Depois, na praça, na noite de um sábado, criei coragem e entabulei conversa, em algumas voltas, até que a hora de voltar para casa soou e eu ganhei um até logo. Não houve uma outra vez. Uma tragédia doméstica a levou para longe dali. Dela nunca tive notícias, nem, aliás, nunca as procurei, me engasgando com sua saída, de modo abafado, sem deixar escapar nenhum comentário, ou, como diria meu pai, prendendo o peido.

O terceiro e último já ocorreu na terceira série. Não sei como tudo começou, se ocorreu troca de olhares, como me aproximei, o primeiro encontro como se verificou. Nada ficou, a não ser alguns momentos na biblioteca do ginásio, durante os recreios, eu tentando esconder meu entusiasmo. Ganhei um retrato seu, com dedicatória que o tempo deu fim. Teve vida curta. Oposição doméstica, que me desencorajou a prosseguir. Tirei o meu cavalo da chuva.

Depois, estava com o coração fisgado. A musa, não era, ainda, aluna do ginásio. Alongou-se futuro adentro. Ocorreu da fogueira se tornar cinzas. Demorei a assimilar o desenlace. Isto tudo aconteceu há muito tempo. Não me fica bem, a esta altura da vida, desenterrar defuntas.

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