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A presidência de Toffoli passaria em algum teste?

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 14/09/2020 03:00 Atualizado em: 14/09/2020 06:30

O ministro Toffoli chegou ao STF sem histórico efetivo na advocacia e sem ter sido promotor ou juiz. E depois de ter sido reprovado em dois concursos públicos para a magistratura. Mas poderia ter se redimido, caso se tivesse revelado um bom presidente. Assim, como o próprio STF. Que hoje é avaliado pelo meio jurídico e pela opinião pública mais informada como um dos piores da história. Mas que, no auge das tentações autocratas de Bolsonaro, soube colocar-lhe freios.

O STF precisa dar exemplo e sinalizar valores e incentivos. A presidência do ministro Toffoli, pois, deveria ser analisada sob esse prisma. Mormente porque o seu biênio transcorreu sob o esgotamento de um ciclo político. Veja-se a sua contribuição em alguns dos temas essenciais para que o país saia do atoleiro.

Sobre o combate à corrupção, sua gestão ficou marcada como adversária da Lava-Jato. Embora tenha corretamente coibido alguns dos abusos de lavajatistas como Moro e Dellagnol que a enfraqueceram com seletividade e sede de protagonismo político. Toffoli nada fez para coibir a corrupção no próprio Judiciário, geralmente mais difícil de ser percebida. Como acaba de revelar a Operação E contra o tráfico de influência de filhos de ministros do Judiciário. A lista de seus atos contrários ao combate à corrupção é longa. Ele suspendeu buscas e duas investigações contra José Serra. Cobrou explicações da juíza de 1ª instância que marcou um depoimento de Aécio Neves na investigação de corrupção na Cidade Administrativa em BH. Dissolveu a comissão do impeachment de Wilson Witzel instalada pela Assembleia do Rio. Arquivou um pedido de abertura de inquérito contra o então presidente do STJ, João Otávio Noronha, e dois filhos seus que são advogados. Toffoli também arquivou, a pedido do PGR Augusto Aras, três inquéritos que haviam sido abertos contra ministros do STJ e do TCU a partir da delação de Sergio Cabral.

Sobre o bom funcionamento das instituições. Seu “Pacto entre os Poderes” passaria no teste? Pactos são para combinar posicionamentos. Que se expressam em políticas públicas. Que se materializam através de leis e de emendas à Constituição. Cujo controle de adequação aos princípios e regras da CF deve ser feito pelo STF. Mas como?, se o seu presidente antecipa posicionamento no tal pacto. Atribuível à sua baixa formação jurídica e política. Ademais, em sua gestão, os ministros quase deixaram de julgar colegiadamente. Cada um dos onze supremos achou-se no direito de ser “o” Supremo. O resultado foi o festival de um ministro revogando decisão de outro. Sempre monocraticamente.

Sobre a independência e harmonia entre os poderes, “sem subserviência”, como criticou o seu sucessor, o ministro Fux. Foi o próprio Toffoli quem concedeu liminar sobre o compartilhamento de dados do Coaf, beneficiando o filho do presidente na investigação das rachadinhas. Todos nos lembramos, também, de quando Bolsonaro e sua entourage invadiram o gabinete presidencial de Toffoli para lhe passar um sermão filmado sem a autorização do anfitrião. O ‘diálogo entre os poderes’ não raramente resvalou para a subserviência e o favorecimento.

Sobre a austeridade e discrição que devem ser marcas do Poder Judiciário. Sua gestão passou em branco. Deixou de coibir privilégios dos próprios membros da corte. Nada fez para resgatar a discrição que não se harmoniza com a vaidade quotidiana dele e dos seus colegas dando opinião sobre tudo nas telas e nas câmeras. Quase a se sentir celebridades.

Sobre a proteção às liberdades individuais. Toffoli não só patrocinou o inconstitucional e ilegal inquérito das fake news, como enxergou para o STF uma missão de “editor da sociedade” que não está na CF.

O país espera que a gestão do seu sucessor enfrente esses problemas. Não deveria ser difícil superar uma gestão com esse histórico. Há quem duvide, todavia. Por se lembrar de que o ministro Fux entrou no STF depois de prometer ao então ministro José Dirceu que “mataria o mensalão no peito”. E, empossado, tratou de presentear sua filha com um cargo de desembargadora no TJ do Rio.



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