Diario de Pernambuco
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Da diversidade de velórios

Vladimir Souza Carvalho
Magistrado

Publicado em: 01/08/2020 03:00 Atualizado em: 01/08/2020 05:57

O vídeo mostra a mulher enchendo o copo de bebida. Abaixo, um engradado cheio de garrafas. Depois, a câmara se afasta, percebendo-se, então, se tratar de um velório, e, justamente nas pernas do defunto está uma toalha e copos, vazios e cheios. Ao redor, todos bebem. Não há qualquer indicação da cidade, nem de data. O que mostra, portanto, que é um velório, bebida alcoólica servida, e, nesse ritmo, deve ter sido traçado pelo falecido, na efetivação de que assim se fazia porque era como ditou. Nada de choro, nem de vela, nem de fita amarela. Aliás, de amarelo só a cerveja servida e a servir.

De Itabaiana, o Arrojado programou uma festa de um dia ou dois, - não sei se chegou a três -, com zabumba se revezando, bebida à disposição de todos, café pela manhã, almoço e jantar, e nessa farra, o corpo embalsamado, caixão aberto, para que todos o vissem no seu último sono, enfim, ocorreu o sepultamento, não esquecendo de determinar a confecção de um busto de bronze, a ornamentar sua sepultura. Penso ter sido o único velório em Itabaiana desse modo.

O pedido do defunto, enquanto não defunto, é algo comum, na minha aldeia. Seu Abílio dos caixões fez o dele, deixando-o reservado. Tia Madrinha costurou a mortalha para ser enterrada. Manezinho Clemente queria seu caixão – de pano - todo preto, sem ornamento. Meu pai exigiu um caixão simples, para evitar maiores despesas. No velório de Zé Crispim tocava-se música clássica, por sua vontade. Quando a sentinela é noturna, há cafezinho para lá e para cá, sem se falar na dose de cachaça servida, que nunca vi nas que compareci.

Cada um é enterrado como deseja. Na vontade do defunto não se deve erguer nenhum cancelo. Depois, o velório reflete a personalidade do finado. No de Daniel Andrade, um conterrâneo filósofo, - denominação dada à pessoa que, de cada frase, uma anedota nasce -, a viúva a apreciar o marido morto, os filhos a cercar o caixão, e, os amigos, alguns, na varanda da casa, relembrando do morto as imensas tiradas. Na saída, ao me despedir dos filhos, cai na besteira de dizer que a noite foi tão agradável que só faltou empada e cerveja. A frase saiu sem medir o seu efeito. Era tarde. Não dava para recuar. Só vi a filharada fechar a cara. E eu me retirando.

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