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Pais, filhos e uma gramática do sorriso

Evaldo Costa
Jornalista, foi secretário de Imprensa/Comunicação dos governadores Miguel Arraes, Eduardo Campos e Paulo Câmara. Dirigiu a CEPE e o Arquivo Público Estadual. Presidiu o Sindicato dos Jornalistas de PE

Publicado em: 28/07/2020 03:00 Atualizado em: 28/07/2020 06:15

Tenho filhos crescidos, que chegaram tarde em minha vida. Quando o mais velho nasceu eu já me aproximava dos 40 anos. O caçula completou 18 anos em março. A do meio fez 23 anos no final do ano passado. Aprendo coisas incríveis com esta turma. Todos os dias! Uma das lições que recebi - e compartilho sempre que encontro pais ou mães de primeira viagem - é que criar filhos é um jeito privilegiado de conhecer pessoas.

Por mais presentes e mais dedicados que sejam os pais, cada filho é um mundo à parte, um ser único, diferente de cada membro da família, inclusive de irmãos criados no mesmo quarto, estudantes da mesma escola, até da mesma sala de aula. Na medida em que vão crescendo, definindo personalidade e fazendo escolhas, você vai - como disse acima - conhecendo aquela pessoa.

Penso que conheço bem meus filhos. E tenho por eles um amor que nunca pensei ser capaz de sentir. Eu também admiro absurdamente meus pirralhos quase adultos, mas eternos bebês. Eles são tão incríveis que, muitas vezes, perco o sono tentando identificar algo neles que me faria extremamente feliz se tivesse certeza que herdaram de mim. Será que a integridade inflexível de Lígia tem o meu DNA? Decorrem de mim a generosidade e o senso de justiça de Thomaz? Será que Thales tem tanta facilidade pra fazer amigos por causa de algo que lhe ensinei?

Não me iludo. Sei que não. Mas não fico triste. Ao contrário, alegro-me ao me ver como um degrau na escalada evolutiva da espécie humana. De alguma maneira, sou eu que herdo algo deles. E ostento acintosamente conquistas deles, como se fossem minhas. A cada dia, tento me fazer um pouco melhor para merecer os filhos que tenho. Sem dúvida, a missão mais desafiadora que já recebi.

Mas não é que esta missão vai ficando ainda mais difícil? Creia, isto é possível! Nadya, minha mulher, acaba de ganhar duas sobrinhas. E, no meio desta pandemia, cismou de sequestrá-las dos pais e mantê-las aqui em casa horas e horas, às vezes até dias. Quem resiste a duas bebezinhas lindas, saudáveis, com olhinhos brilhantes e bracinhos ornados por dobrinhas?

Graças a estas visitantes adoráveis, entrei numa nova etapa de aprendizado e dizendo “muito prazer” para aquelas novíssimas pessoas. Melissa e Lívia, professoras talentosas, vão me passando algo que tinha idade de sobra pra saber, mas só estou aprendendo agora. Ou que sabia e esqueci.

Na graça absoluta dos seus poucos meses de vida, elas ensinam ao professor de jornalismo - veja só! - que o primeira gesto comunicacional do ser humano é o sorriso - e é incrível como faz sentido.

Com sorrisos, estabeleço intensa conversação com minhas sobrinhas-afins. Às vezes, Lívia está irritada em sua cadeirinha que mais parece uma cesta. Quando me aproximo, chamo-a pelo nome e abro um sorriso largo, ela me responde na mesma medida, e o lindo sorriso dela tem a carga semântica de um dicionário inteiro.

Meu rosto se ilumina quando entendo o que ela me diz: “Ainda bem que você apareceu para me tirar daqui.” Outras vezes, a risada aberta significa “ok, eu estava exagerando, posso esperar um pouco mais pelo meu almoço”. Mas a mensagem mais completa e mais rica de sentidos e de ensinamentos é “obrigada por prestar atenção em mim, e por não esquecer que não gosto de ficar sozinha”.

Imagine se a humanidade conseguisse recuperar e colocar em primeiro plano o “sorrisês” que praticamos com desenvoltura quando somos bebês. Imagine se usássemos este idioma tão bonito para conduzir com sinceridade nossas conversações.

Em vez disso, adulterarmos a gramática do sorrir e passamos a sorrir pra enganar, fingir, escarnecer, troçar, odiar. Por isso o papo com Lívia e Melissa é tão divertido. E tão estimulante para a reflexão. Nascemos como elas. Por que nos perdemos e nos desvirtuamos pela vida afora?

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