Diario de Pernambuco
Busca
Os 71 anos da Fundaj

Ciema Melo Silva
Antropóloga, servidora há mais de 30 anos da Fundaj, lotada no Museu do Homem do Nordeste

Publicado em: 28/07/2020 03:00 Atualizado em: 28/07/2020 06:15

Um pernambucano dos mais ilustres, Aloísio Magalhães, costumava dizer que “crescer dói”. Dói mesmo. Hoje solidamente instalada, a Fundação Joaquim Nabuco teve um começo doído, incerto, turbulento. Seu fundador, Gilberto Freyre, possuía uma constelação de qualidades. Entre elas uma que é, curiosamente, pouco destacada: a intrepidez. Doutor Gilberto era um homem arrojado. Não temia seus adversários nem, muito menos, a acidez de seus críticos. À contracorrente das ideias dominantes em sua época, defendia com o mesmo ímpeto o mocambo, o arroz-doce e os cânones culturalistas.

Na década de 1940, fundar uma instituição de pesquisa social no Nordeste brasileiro era um projeto atrevido. A juízo de muitos tangenciava a quimera. No imaginário nacional, o Nordeste já se havia convertido no território da seca elevada a flagelo bíblico e seus intelectuais, como Tobias Barreto, Silvio Romero, Capistrano de Abreu, Clóvis Bevilácqua e Rui Barbosa, já estavam obscurecidos pelo despeito de outras regiões menos aquinhoadas de talentos.

Foi nesse cenário hostil que Gilberto Freyre arrancou a Fundação do papel e colocou-a de pé. Segundo a narrativa da doutora Joselice Jucá, biógrafa da instituição, foram tempos heroicos. A Fundação morava de favor em casa alheia, hospedada pelo Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco, e seus funcionários faziam “cotinha” para suprir a penúria de recursos.

Doeu sim, mas ela cresceu! A Fundação havia herdado as virtudes do seu fundador. Também era intrépida. Também era obstinada. Os anos se passaram, e a quimera que os céticos apostavam que ou iria fracassar, ou simplesmente desvanecer, adquiriu realidade. Adquiriu endereço e largo patrimônio e se converteu em um capítulo incontornável da história do pensamento social brasileiro.

Bravo, bravíssimo aos pioneiros, às primeiras gerações de quem somos os herdeiros, e de quem sempre seremos os discípulos. Eles criaram um modelo de instituição que jamais viveu reclusa - expedicionária - que se impõe o dever de ir ver de perto sua região. As estradas do Nordeste se habituaram às tarjas amarelas das caminhonetes da Fundação. Dentro seguem o antropólogo, o economista, o geógrafo, o museólogo, a caminho das romarias de Juazeiro do Norte, das culturas de soja no Piauí, da paisagem ríspida do semiárido, do litoral “miamizado” pela ganância imobiliária ou da oficina de mestre Espedito Seleiro, em Nova Olinda no Ceará.

No regresso, a certeza de que o conceito de região necessita ser continuamente atualizado. O Nordeste é, afinal, um processo. Se acaso alguém viesse a Recife com a expectativa de obter uma definição estável, segura, de Nordeste, iria voltar de mãos vazias. Expostos à questão, nossos cientistas dar-lhe-iam, muito provavelmente, uma resposta desconcertante: de ciência certa, sabemos apenas que nordeste é um ponto cardeal ! A Fundação surpreende, inclusive, pela franqueza.

Experiente, morigerada, afeita às dificuldades decorrentes da vigência simultânea de paradigmas teóricos divergentes no âmbito das ciências sociais, a Fundação Joaquim Nabuco não discrimina teorias. Nos seus anfiteatros, por exemplo, Marx e Weber não são admitidos no papel de bandido ou de mocinho. São ambos referências indispensáveis. Intransigência? Existe. É assumida. Para além da especialidade de seus cientistas, nem por um só momento a Fundação esquece de que essencialmente investiga pessoas. Seus problemas, suas aflições, suas necessidades.

Na Fundação, pesquisa não se confunde com devaneio, diletantismo, erudição supérflua.

Pesquisa é ferramenta de produção de conhecimento conversível em bem-estar social. Viu, doutor Murilo Marroquim? Honramos seus votos! Foi esse jornalista que em artigo publicado em O jornal de 13 de agosto de 1948 defendeu a criação da Fundaj.

2020, aos 71 anos, a Fundação dispõe de mocidade. São numerosos os seus monitores e os seus estagiários. Às segundas, eles chegam extenuados do fim de semana e se consolam entre si dizendo: “Vida que segue, Deus no comando”. Assim seja. Neste ano tão tempestuoso e nos muitíssimos de bonança que ainda virão. Parabéns Fundação Joaquim Nabuco !?

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL