Diario de Pernambuco
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O Silêncio dos inocentes

Rodrigo Pellegrino de Azevedo
Advogado

Publicado em: 24/07/2020 03:00 Atualizado em: 24/07/2020 06:25

O filme estrelado por Anthony Hopkins e Jodie Foster, sob a direção de Jonathan Demme, foi um “cult movie” nos anos noventa. Do gênero de suspense, conta em sua narrativa o enredo do pedido de ajuda de uma estagiária do FBI Clarisse Starling (J. Foster) ao prisioneiro Dr. Lecter (A. Hopkins) para descobrir e prender um outro serial killer, conhecido como Buffalo Bill.

Lembrei-me da narrativa esta semana, em razão da proposta de reforma tributária encaminhada pelo governo federal ao Congresso Nacional. Para além da complexidade do tema, que por óbvio demandará uma miríade de artigos científicos, jurídicos e econômicos; resolvi abordar um único tópico, conectando-o à década de 1990, com as expectativas da recém-criada Constituição Federal, os planos econômicos seguintes e as operações de combate à corrupção no Brasil.

O início da última década do século passado, premiou o mundo com os efeitos da queda do muro de Berlim, com as proposições neoliberais, e, aqui no Brasil, com a expectativa do alimento tributário/financeiro para o custeio de uma máquina arrecadatória, capaz o suficiente de oferecer recursos para o “Novo Estado Constitucional Brasileiro”, com obrigações sociais quase que infindáveis em seus mais de 200 artigos.

De lá, até cá, passamos por inúmeros planos econômicos, troca de presidentes da República, dois impeachments, três grandes escândalos de corrupção que culminaram nas investigações Satiagraha, Mensalão e Lava-Jato. Todas elas, de certa forma, juntando um quebra-cabeças sobre o desenho burocrático patrimonialista, ainda presente num Brasil governado à direita e à esquerda, que culminou na eleição para presidente da República de um “ponto fora da curva”, um outsider do cenário político, mas experiente nesses assuntos há muitos anos, expulso do Exército durante o regime militar.

No meio do caminho desse projeto político disruptivo, à direita, tivemos o efeito da Teoria do Cisne Negro, de Taleb, com a pandemia da Covid-19 atingindo em cheio as expectativas de governos e oposições, mudando cenários radicalmente e incapacitando os mais preditivos cientistas políticos em afirmarem algo plausível para o futuro mais próximo.

Ocorre que a vida tem que prosseguir e nesta semana foi encaminhado, pessoalmente, pelo ministro da Economia, uma proposta de reforma tributária para um país que manteve os “regimes tributários diferenciados” para algumas atividades econômicas, tais como bancos e planos de saúde.

Excetuando-se a operação Satiagraha, anulada no STF, tivemos duas que proporcionaram efeitos cinematográficos à nossa “monótona” vida política brasileira; as que puseram na cadeia empresários e políticos com algumas cassações. Agora vocês poderiam perguntar: o que isso tudo isso teria a ver com o filme citado?

O Brasil é um longa-metragem de mais de 500 anos. Nosso projeto civilizacional mal acabado (tenho cá as minhas hipóteses) contou ao longo dos anos com o escalpelamento de inúmeras gerações, ora pelo estado, ora pela terra de ninguém solta dos negócios, à mercê de projetos meramente exploratórios e pouco investidos de enraizamento para criação de uma cultura de pertencimento de todos.

Foram vários atores no papel de Dr. Lecter, ao longo dos anos em nosso país, a tentar auxiliar nossa economia, Clarisse Starling, na identificação do algoz Buffalo Bill, que sempre nos impediu ao desenvolvimento. Desta feita, nosso Dr. Lecter entregou-nos uma pista, a manutenção dos regimes tributários diferenciados para os bancos.

O que sei é que, enquanto isso, fato, temos sete em cada dez brasileiros endividados em silêncio. Um spoiler para quem não assistiu ao filme: Dr. Lecter somente tem condições de ajudar Clarisse Starling a encontrar o assassino Buffalo Bill, por ser igual a ele.

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