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O que mudou

José Luiz Delgado
Professor de direito da UFPE
opiniao.pe@diariodepernambuco.com.br

Publicado em: 27/07/2020 03:00 Atualizado em: 27/07/2020 05:58

Várias vozes têm denunciado que o Brasil deixou de ser o país cordial, assim reconhecido por toda gente, para passar a ser intolerante, radical, agressivo. O que teria acontecido? O que mudou?

Imagino que seja o resultado da indignação nacional contra a corrupção, que começou a se expressar mais ostensiva e publicamente de uns anos para cá (no que certamente o fenômeno das redes sociais terá ajudado muito). Porque esse era o sentido profundo do voto do eleitor (conforme assinalei em várias ocasiões). Há muito tempo, o que estava no fundo do voto brasileiro era o clamor por uma política séria, austera, honesta, a aversão pela politicalha que nos ofende cotidianamente. Foi claramente esse o último voto antes de 1964, o voto em Jânio, cuja “vassoura” iria limpar o Brasil; foi assim também o primeiro voto depois do regime militar, o voto em Collor, que iria fazer a “caça aos marajás”. Depois, o país veio sofrendo progressiva decepção com as práticas dos políticos que passou a eleger. Collor organizou uma quadrilha, embora apenas em proveito de si mesmo. O “príncipe” FHC comprou a patifaria da reeleição em causa própria. E os governos do PT aprenderam e ampliaram astronomicamente a lição: promoveram um sistema de corrupção sistematizado, em escala nunca vista, para garantir a perpetuação no poder. (A única exceção dos governos civis depois da Constituição foi o exemplar e digno, mas breve, Itamar Franco). E a insatisfação nacional (que explodiu, pela primeira vez, nas grandes manifestações de junho de 2013) foi aumentando, também de forma nunca vista. Sobretudo por conta dos notáveis progressos na descoberta dessas canalhices: o mensalão, o petrolão, a Lava-Jato.

Este, o fato novo que está na origem de tudo. O partido que estava no poder, e patrocinara a grande corrupção, não teve coragem de proceder a depuração interna que se fazia indispensável. Os homens sérios e honestos, que também existem dentro dele, não conseguiram se impor, e esse partido ficou, talvez para sempre, maculado com a marca indelével da corrupção. Os partidos que lhe faziam oposição, e que eram tidos como moderados e de “centro”, não se advertiram do vulto do fenômeno – não perceberam como a inédita dimensão da corrupção estava impulsionando a indignação nacional. Apenas a “direita”, ou melhor, um político que vivia isolado, espécie de lobo solitário, captou o sentimento popular, como ele próprio vinha denunciando há décadas, e o resultado espantoso foi, contra tudo e contra todos, a sua eleição, que empolgou aquela maioria da população que não mais admitia conviver com tanta nojeira – desvios de verbas, superfaturamentos, loteamento dos cargos, ganância dos parlamentares no infame “presidencialismo de coalisão”. Farta, revoltada, indignada, a população não suporta mais esses políticos. Nem suporta os juízes que não atuam com a presteza e o rigor necessários. Nem todos quantos, inclusive jornalistas, não acompanham e endossam a insatisfação popular. Daí o fato de certas personalidades públicas nem mais conseguirem sair às ruas...

O povo brasileiro deixou de ser cordial? Não creio. Apenas saiu da antiga passividade, da acomodação e de certa apatia e passou a ser também reivindicante, exigente, revoltado, indignado – e isso é excelente progresso.

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