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Ennio Morricone

Rodrigo Pellegrino
Advogado

Publicado em: 10/07/2020 03:00 Atualizado em: 10/07/2020 05:53

Façam o exercício de parar por alguns minutos e ouvir algumas das músicas de Ennio Morricone. Não necessariamente precisam ter assistido aos filmes enriquecidos com a sua trilha sonora. Basta o breve momento de contemplação. Não duvido conseguirem descrever o sentimento de cada música ouvida e esse mesmo sentimento ser correlato às cenas de cada filme; cenas imemoriais ou imaginárias arrancarão de você lágrimas, sorrisos, raiva, amor ou ódio. Morricone tinha a capacidade de nos levar para dentro de cada filme.

Com a música dele, passamos de ouvintes passivos, para protagonistas de cada cena, tendo assistido ao filme ou não. Todo filme com sua música, passava imediatamente a ser nosso, mediante apropriação inconsciente. Com Morricone, os personagens coadjuvam a música que nos faz protagonistas do sentimento e da imaginação.

Morricone me foi apresentado em casa. Numa pequena vitrola, aos 8 anos de idade, em disco, por minha mãe, que adorava música e, paradoxalmente, tinha vendido o piano que tanto amava para poder se casar.

O piano vendido e a vitrola comprados me fizeram gostar do cinema. A música invadia meus domingos e, quase sempre, via-me imitando o maestro, desenhando no ar a poesia das notas, sem mesmo saber tocá-las, imaginando amores possíveis e impossíveis, me sentindo herói e vilão, bandido e mocinho, sem, absolutamente, à época, ter assistido filme algum com suas músicas.

Sempre, depois de cansado de tanto reger minhas orquestras imaginárias, me punha a deitar no chão, com os pés para cima em direção à janela da sala. Ali, continuava a ouvir a música e a olhar para a tela física que emoldurava meus sonhos projetados nos azuis e brancos do céu dos meus domingos. Ali, sempre sonhava e inventava histórias sobre mim, sobre os outros e sobre a vida. Hoje, vejo que comecei a gostar de cinema assim.

Sim, quando ouvia The ecstasy of gold; The good, the bad and the ugly; Love theme for Nata; Um amico, um monumento; My name is nobody; The Lady Califfa; Deborah’s theme; a música era o projetor em mim, do sonho do cinema, que assinava para o futuro cada cena ainda não vivida; o filme, depois, apenas comprovava. Passava a ser um detalhe a mais.

Morricone, sem absolutamente nada além da música, fez-me imaginar filmes e histórias, arrancar lágrimas e guardar em mim o sentimento de paixão. A cena de Monica Bellucci inebriando o garoto, já havia sido encantada em mim quando criança, antes mesmo do filme realizado.

Não negava sua influência advinda de Johann Sebastian Bach e Igor Stravinski. Quão privilegiados não foram Giuseppe Tornatore, Dario Argento, Sergio Leone, Quentin Tarantino, Mike Nichols, Brian de Palma, Oliver Stone, Warren Beatty, Terrence Malick, por terem em suas obras a música que realçava qualquer cena e direção. A música que escrevia o roteiro, dava o foco e a luz devida ao cinema.

Ele nos deixou no último dia 6 de julho de 2020, aos 91 anos, em Roma, cidade onde nasceu, viveu e morreu. Teve o privilégio de fazer uma breve despedida. Compôs sua última trilha sonora com o gesto generoso de amor aos amigos, parentes, aos quatro filhos, netos.

Registrou o quanto os amou e, lamentou, a Maria, sua esposa, o fato de ter que abandoná-la. A melodia das suas palavras finais está até agora em mim e seguirá em composições imaginárias futuras. Suas notas e arranjos continuarão tocados nessa imensa e estranha sinfonia de viver.

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