Diario de Pernambuco
Busca
Colhudas

José Carlos L. Poroca
Executivo do segmento
shopping centers

Publicado em: 23/07/2020 03:00 Atualizado em: 23/07/2020 06:28

PReâMBULO - Já contei a história para várias pessoas e, em algumas, senti a reação de que estavam ouvindo uma colhuda. Era, portanto, um colhudeiro (ou culhudeiro), adjetivo que se dá na Bahia a quem costuma narrar fatos como se verdadeiros fossem. O culhudeiro, por achá-los que vão despertar a atenção do interlocutor, colocam molho, ampliam detalhes. Em síntese, para dizer que fulano morreu ao ingerir inseticida, é capaz de dizer o modus operandi, a marca do produto, prazo de validade, preço e a quantidade que foi ingerida. Não deixa de ser uma arte e, quando não há o fito de fazer o mal, amplia-se e é levada adiante com as reverberações aplicáveis.

ATO 1 - A história que segue é real. Não direi o nome para preservar a imagem do personagem. Vou chamá-lo de Malvino, que, durante a vida, acostumou-se a guardar dinheiro. Foi trabalhar numa capital do Nordeste e as únicas peças que levou foram as do corpo: camisa, calça, cueca (?), par de meias e outro de sapatos. Morava num flat pago pela empresa. Lavava a cueca (acredita-se que diariamente) e colocava para secar no abajur. As meias e a camisa eram, presumivelmente, lavadas no fim de semana.

ATO 2 – Quando o salário era creditado, transferia 95% do valor para a mulher (que morava noutro estado) e guardava o restante na carteira. Na maioria das vezes, os 5% chegavam quase intatos no fim do mês. E antes que alguém pergunte se Malvino se alimentava, responderei: Sim. Pela manhã, o breakfast já estava incluído na conta. Pegava algumas frutas e as levava para o quarto. No almoço, comia o bandejão fornecido pela empresa, a custo zero. À noite, as tais frutas. Se alguém convidava para uma pizza, dizia que não costumava comer à noite. Se acrescentassem “fulano vai pagar a conta”, sua presença era certa.

ATO 3 – Mandava pagar uma fatura e se faltava R$ 0,05 na prestação, exigia a diferença, doada por alguém. Com um ano, por outros motivos, a empresa decidiu pelo seu (dele) desligamento. Saiu com os mesmos itens, exceto a camisa: uma a mais, presente dos colegas. Disse para os que ficavam que, a partir de então, não seria mais empregado. Foi para uma de suas fazendas (possuía duas) e, em menos de um mês, caiu do cavalo, bateu com a cabeça e morreu.

EPÍLOGO – A narrativa não tem (e tem) nada a ver com pandemia e afins. Tem mais a ver com avareza e muito mais com promessas que são feitas em determinadas épocas e esquecidas quando se atinge o intento. Vamos ficar atentos às colhudas e aos culhudeiros neste final de ano. Vamos agir como os bancos, que não soltam um R$ 1 se não tiver a garantia de R$ 2 ou mais. Funciona. Se agirmos com mais atenção, pode ser que a gente tire o país da cambulhada em que se meteu e não consegue sair.

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL