Diario de Pernambuco
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A metáfora do novo normal

Moacir Veloso
Advogado

Publicado em: 06/07/2020 03:00 Atualizado em: 06/07/2020 05:22

Desde fevereiro do corrente ano, estamos lutando contra a pandemia da Covid-19. Já são quase quatro meses de mudanças excepcionais no dia a dia dos brasileiros, como conseqüências das severas medidas implementadas pelo Ministério da Saúde, governos estaduais e prefeituras. O isolamento social, o uso obrigatório de máscaras, além de medidas higiênicas e sanitárias, tais como lavar as mãos constantemente com álcool, passaram a fazer parte do cotidiano. A mídia faz a sua parte, informando em tempo real o avanço do coronavírus, com o crescente número de infectados, que já ultrapassou um milhão, com mais cinquenta mil mortes.

Porém, nem tudo está perdido. O infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz, afirmou no último dia 20: A curva está diminuindo sim, lastreando sua assertiva, na queda da diminuição do número de internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave – SRAG. Até aí, tudo bem. As notícias são boas e as previsões otimistas. Ocorre que, diversos meios de comunicação, redes sociais e entidades, vêm preconizando que após a pandemia teremos que nos adaptar a um exótico Novo Normal. Alegam os adeptos desta tese, que nos espera um novo padrão comportamental destinado a garantir nossa sobrevivência. Assim por exemplo, o uso de máscaras, luvas e álcool, como itens de seguranças obrigatórios, representaria uma amostra do Novo Normal.

Penso que essa locução Novo Normal é conseqüência de um equívoco semântico, originário de um defeito lógico, por materializar uma idéia contraditória, vez que contém elementos que se excluem mutuamente, senão vejamos: normal significa regular, comum, natural; enquanto novo, aquilo que nasceu ou apareceu recentemente. Assim, fica evidente que as inúmeras mudanças sociais e econômicas que surgirão após o vírus cumprir seu ciclo de devastação, jamais poderão ser consideradas como novidades normais. Ora, se o novo é algo que não existia, jamais poderá ser considerado normal, isto é, aquilo que é regular, comum, cotidiano.

A previsão de uma nova normalidade associada à idéia de proteção e segurança, nos parece uma construção fundada no realismo fantástico. A segurança é justamente o valor social e jurídico que se nos apresenta mais frágil no momento contemporâneo. Se é certo que o coronavírus é estatisticamente letal, não é menos certo que homicídios, suicídios, acidentes de trânsito, cardiopatias e câncer, dentre outras causas, matam muito mais do que ele.

Só em fevereiro deste ano, morreram 294 pessoas vítimas de homicídio em Pernambuco. Acredito que uma boa perspectiva de normalidade seria utópica. A violência é implacável e contínua. No pós-pandemia só tenderá a aumentar, por força do desemprego, de vadiagem e da busca pelo acesso aos bens de consumo. Os crimes contra o patrimônio, roubo, furto, etc. tendem a aumentar durante as crises econômicas, pouco importando sua origem, sejam doenças, condições sanitárias ou falta de acesso à educação. Não há mistério algum no que nos aguarda: Tudo, menos um Novo Normal.

O ser humano está no planeta há milhões de anos, subsistindo por força de um predicado fundamental para a sobrevivência da espécie: a capacidade de adaptar-se a novas situações e desafios que não param de surgir. Pior do que a pandemia é a miséria, que mata e continuará matando cada vez mais. Seja o que Deus quiser. 

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