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Utopias

Roberto Ghione
Arquiteto, conselheiro superior e ex-presidente do IAB-PE

Publicado em: 30/06/2020 03:00 Atualizado em: 30/06/2020 07:05

Da intensidade dos nossos sonhos depende a transformação da realidade. Sonhar, propor, encorajar mudanças para o bem da sociedade é atributo de idealistas, pessoas de atitude progressista, inconformadas com o atual estado da situação.

A utopia, enquanto curiosidade e imaginação de um mundo melhor, a partir da realidade momentânea, é o motor que mobiliza consciências e iniciativas.

Momentos de crise são os mais prolíficos em utopias. A atual pandemia propõe refletir a circunstância brasileira a partir de um processo histórico que se evidencia tragicamente. A desigualdade social morbosa e os comportamentos persistentes envergonham e expõem o país ao escárnio internacional. Epidemias recentes (dengue, zika, chikungunya) foram diminuídas enquanto afetavam apenas os mais carentes. Bastou a Covid-19 ser democraticamente nociva para o despertar da realidade. Chegou uma conta muito cara para pagar e o ônus recai (como sempre) sobre os mais pobres.

Em pleno século 21 cronológico, problemas do século 19 persistem revelando nossas mazelas. Direitos humanos básicos – previstos na Constituição – como moradia, saneamento, água potável e banheiro em casa, são hoje utopias ultrapassadas. Lutar por elas no século da inclusão digital revela o anacronismo trágico, que atrela o país ao subdesenvolvimento e ao caráter de pária da humanidade.

Enquanto isso, as utopias do presente nos colocam perante paradigmas, valores e princípios éticos que merecem ser reavaliados.

Superar o conceito antropocêntrico, colocando as atividades humanas, a produção e a cultura em harmonia com a natureza e com a justiça social, talvez deve orientar um novo paradigma de desenvolvimento, tendente a superar o modelo consumista da sociedade contemporânea, limitando a produção de bens e serviços às necessidades imprescindíveis e à preservação do meio ambiente natural.

Isso determina reconsiderar nossos valores, promovendo ações humanas solidárias, que coloquem o bem-estar social por cima da acumulação restrita de riquezas, assim como, defender e cobrar do Estado público os serviços essenciais da sobrevivência (saúde, educação, moradia, segurança) e as ofertas de oportunidades com equidade, qualidade e eficiência.

Os princípios éticos que deveriam sustentar os paradigmas e valores em consideração estariam orientados à defesa da ordem da natureza, subordinando à ela as ações humanas; da democracia e do estado de direito; e da equidade de gênero, inclusão e integração de todas as pessoas, independentemente da condição social e de questões de raça, credo e orientação sexual.

Utopias para um novo século, que, para muitos, está apenas iniciando; esperança de compartilhar uma sociedade mais justa e solidária; sonhos que merecem ser intensamente sonhados, até transformá-los em realidade.

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