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Pós-pandemia?

Luiz Maia e Ecio Costa
Cenaristas, Professores da UFRPE e UFPE, respectivamente

Publicado em: 01/06/2020 03:00 Atualizado em: 01/06/2020 05:06

Há anos especialistas alertam sobre uma previsível pandemia, nos moldes da que vivemos hoje. Porém, a contenção de surtos epidêmicos anteriores (SARS, MERS e Ebola) com potencial pandêmico parece nos ter deixado por demais confiantes e, com isso, vulneráveis. Se é verdade, por um lado, que o Covid-19 constitui desafio único, pela velocidade da sua propagação e pela predominância de casos assintomáticos, está claro também que a multiplicidade de trajetórias escolhidas – no Brasil e mundo afora – nos obriga a pensar em panoramas futuros nada triviais, de heterogeneidades e instabilidades.

Em tese, só deveríamos falar de “pós-pandemia” a partir de uma forte redução na letalidade da Covid-19 – seja pela ampla difusão de medicamentos e vacinas eficazes, seja pela cura e “upgrade” imunológico de mais de 70% da população, condição em que o contágio é restrito. Parece pouco provável que tais eventos ocorram em 2020. Nessa perspectiva, o que se observa em Taiwan, Singapura e em boa parte da Europa não caracteriza uma pós-pandemia, mas a superação da etapa crítica; trata-se de um pós-crise pandêmica. Afinal, a invejável supressão da transmissão comunitária, que salvou milhões de pessoas na Ásia, torna essas populações especialmente suscetíveis à infecção. É natural, portanto, prever que busquem fechar fronteiras, redobrando apostas na prevenção e nos avanços da pesquisa médica.

Em países como Brasil, Síria e Irã, por outro lado, a transmissão comunitária não tende a ser suprimida no curto prazo. Organizações dos mais diversos setores têm adotado planos de emergência, pensados para curtos períodos de disrupção; esperam que seus processos voltem a ser executados – com adaptações – em poucos meses. Infelizmente, não se preparam para uma etapa da pandemia de duração incerta, em que muitos modelos de negócios seguirão inviáveis, por insuficiência de demanda ou custos proibitivos; o próprio acesso a mercados internacionais exigirá extraordinárias habilidades negociais, em um mundo de tensão e estados de alerta.

A despeito de nossa esperança nos testes com drogas antivirais e da adoção de protocolos acelerados no desenvolvimento de vacinas, o momento nos obriga a reconhecer que o pós-crise pandêmica exigirá mudanças estruturais e muito maiores capacidades de cooperação do que demonstramos ter, até aqui.

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