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Fake news e direitos fundamentais

Raquel Saraiva
Advogada, doutoranda em Ciência da Computação e presidente do IP.rec (Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife)

Publicado em: 03/06/2020 03:00 Atualizado em: 03/06/2020 06:12

O Senado está prestes a votar o Projeto de Lei 2630/2020, do senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE), a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O PL nasce e ganha apoio no desejo dos parlamentares de responder aos ataques de fake news por eles sofridos nos últimos tempos, mas está longe de ser a melhor solução.

Ponto positivo é o capítulo sobre transparência. Ele exige dos provedores de aplicação a publicação de relatórios periódicos, o que eles já executam, mas deve ser ampliado com mais informações. Na verdade, essa parte deveria ser ampliada, abarcando condutas que as empresas omitem sobre moderação de conteúdo.

Entretanto, a questão central é a mudança no regime de responsabilidade das plataformas em relação ao que expressa o Marco Civil da Internet. O PL estabelece que os provedores de aplicação devem tomar as “medidas necessárias para proteger a sociedade contra a disseminação de desinformação por meio de seus serviços”, não especificando as medidas mas, ao mesmo tempo, determinando sanções em caso de descumprimento e impondo às plataformas um dever de monitoramento do conteúdo que ali trafega, responsabilizando-as em caso de omissão. Isso é o contrário do disposto no Marco Civil, que responsabiliza o provedor por conteúdo gerado por terceiro apenas quando há descumprimento de ordem judicial.

Neste ponto, importa uma defesa do modelo do Marco Civil: às plataformas não cabe a curadoria do conteúdo gerado por seus usuários, pois, assim, entes privados definiriam o que poderia ou não circular nos seus serviços, gerando uma espécie de filtragem prévia. Num Estado Democrático de Direito, cabe ao Judiciário esse juízo de valor.

Em meio a uma pandemia, não cabe levar o projeto à votação de forma tão apressada. Para a aprovação do Marco Civil, inaugurou-se uma forma realmente aberta e participativa de elaboração legislativa, com consulta pública online aberta a qualquer cidadão e diversas audiências públicas, ouvidos todos os setores interessados. O Congresso Nacional, com o funcionamento reduzido por causa da pandemia, não pode proporcionar um debate aprofundado.

Os parlamentares precisam promover uma maior discussão, pois combater fake news não é simples. É preciso conciliar a necessidade com a possibilidade regulatória. E, acima de tudo, salvaguardar direitos fundamentais.

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