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E o pós-pandemia?

João Paulo Allain Teixeira
Professor universitário

Publicado em: 01/06/2020 03:00 Atualizado em: 01/06/2020 05:03

A pandemia provocou uma explosão de estudos e reflexões por parte de pensadores com grande destaque no mainstream teórico contemporâneo. Podemos reunir, em torno das principais contribuições para o debate, perspectivas utópicas e distópicas. Sob o ponto de vista performativo, os dois caminhos revelam não apenas um esforço analítico, mas uma efetiva disputa capaz de influenciar o modelo de sociedade pós-pandemia. A exata compreensão das mudanças que estão em curso é ainda nebulosa, mesmo assim os efeitos dos novos ventos já se fazem sentir amplamente.

Byung-Chul Han, filósofo coreano, tem se dedicado a analisar as estruturas da sociedade do século 21 para entender como o modelo de produção da última fase do capitalismo tem interferido diretamente na vida psicológica das pessoas. Sua leitura parte da psicanálise, da filosofia existencialista e de análises sociológicas para compreender a realidade contemporânea na qual estamos mergulhados (pandemia, isolamento, vigilância e cansaço). Para Han, o capitalismo continuará com mais força nas sociedades pós-pandemia e o vírus desencadeará uma cidadania da vigilância digital com intenso controle policial do Estado, um controle biopolítico ainda maior das nossas vidas, em uma espécie de monitoramento permanente dos corpos, tal como em certa medida já acontece na China. Para Yuval Noah Harari, historiador israelense (Sapiens, Homo Deus, 21 Lições para o Século 21)  acredita que, no pós-pandemia, existirá um controle e o fortalecimento estatal na economia, com  a revalorização dos sistemas públicos de saúde e a necessidade de ampliar laços de solidariedade como pressuposto da própria estabilidade social. Desglobalização, fechamento de fronteiras, nacionalismos e ausência de transparência e compartilhamento de informações, em nada contribuem para o combate a doenças infecciosas com espectro de abrangência global.

Slavoj Zizek, filósofo esloveno, também tem se manifestado sobre o momento em que vivemos e destaca que o vírus tem mostrado a face mais perversa do capitalismo global. Utilizando como metáfora o “golpe dos cinco pontos” que aparece na sequência final do filme Kill Bill 2, de Quentin Tarantino, Zizek  pondera que o vírus representa um golpe mortal no capitalismo tal como o conhecemos, dando ensejo ao surgimento de um modelo de sociedade articulada em torno de valores como comunitarismo e solidariedade. O filósofo italiano Giorgio Agamben sintetiza o momento da pandemia evidenciando a emergência da “vida nua”, em sua dimensão mais elementar, a vida desprovida de qualquer outra necessidade que não seja a própria sobrevivência e o medo de perecer diante do vírus.

Para além do debate acadêmico, é preciso reconhecer que a vigilância e o controle já são características do mundo contemporâneo. Nesta direção, cada vez mais a informação e o conhecimento aparecem como recursos que podem ser mobilizados pelo Estado e pela sociedade civil, na defesa de interesses diversos. O estímulo a um modelo de vida solidária depende de uma ruptura com o passado secular de naturalização da competição e do individualismo. Estar preparado para o contexto pós-pandemia depende da exata percepção da dimensão deste desafio.

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