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Teletrabalho e impactos na saúde mental

Laura Pedrosa Caldas
Doutora em Psicologia Clínica. Atua nas áreas Jurídica, Saúde Mental e Trabalho. Psicóloga Perita no TRT-6. Psicóloga da Eletrobrás/Chesf

Publicado em: 23/05/2020 03:00 Atualizado em: 23/05/2020 09:26

No contexto emergente do teletrabalho, perde-se dois referenciais: tempo e lugar. Além disso, o trabalhador é exigido por organização, planejamento e gestão do tempo para dar conta das demandas pessoais e profissionais num mesmo espaço: o lar.

Para quem inicia o ofício em teletrabalho, é um desafio e exige adaptações, demandando adequações em seu modo de trabalhar que podem colocar em risco a produtividade e provocar alterações psíquicas, com sinais de sofrimento e desajuste emocional. A dinâmica familiar não sai ilesa e recebe impactos de toda ordem.

O trabalhador sai do lugar de trabalho e do tempo de jornada e ingressa numa realidade virtual, fluida – como diria Zygmunt Bauman. Sem preparo ou treinamento mínimo, invade sua própria casa e instala seu “escritório”. Nesse instante, aparecem problemas simples e alguns inimagináveis: a impressora de casa funciona quando quer, a rede wi-fi é lenta, o computador é antigo, a sala é quente, o quarto mal cabe a cama.

Diante da desordem trabalho-família, as empresas devem encontrar soluções para orientar o trabalhador e adequar a pessoa à máquina. Embora seja possível ações simples, algumas organizações atribuem integralmente a responsabilidade de tais demandas ao trabalhador – ele está em sua casa.

É previsível, nesse contexto, pessoas apresentarem sintomas como: agressividade, irritabilidade, compulsão, dificuldade no nível de atenção e memória. Ou sinais de melancolia, de tristeza, de apatia; discurso de medo desmedido – real ou não, choro sem controle e até ideação suicida ou até a consumação do ato. É um conjunto de sintomatologia que pode configurar transtornos de ansiedade e/ou de depressão, de stress em nível de exaustão, de crise ou mesmo de síndrome de pânico, dentre outros.

É responsabilidade do empregador adequar o contexto de trabalho, desde as condições ergonômicas até a promoção de saúde e de segurança, independentemente onde as tarefas são realizadas. Assim como as dificuldades de ajustamento em teletrabalho e seus impactos na saúde mental dos trabalhadores. Persistindo o desajuste emocional, o trabalhador deve receber suporte com profissionais de Psicologia e de Psiquiatria, atualmente legitimados para o atendimento on-line.

A rotina do teletrabalho exige também um novo modelo de gestão de pessoas, mas o gestor, assim como o trabalhador, não está preparado. É tênue a distinção entre o dever diretivo de cobrar resultados e a invasão de privacidade. Solicitações de tarefas a toda hora; planejamento precário e redefinições de plano de trabalho; e inúmeras reuniões, videoconferências, às vezes utilizando, concomitantes, mais de um recurso de comunicação, são exemplos que tornam a jornada indefinida, sem limitação de pausa e de descanso. O trabalhador permanece integralmente útil por tempo indeterminado.

Algumas organizações se antecipam aos riscos psicossociais em teletrabalho, adotando medidas preventivas e corretivas, inclusive por meio de recursos virtuais como: regulamenta a jornada, as pausas e os intervalos; realiza a orientação ergonômica e libera mesas, cadeiras e recursos para o trabalho remoto; promove ginástica laboral, atividade física, meditação, yoga, dentre outras; e ações socioeducativas, contemplando a autogestão da saúde física e mental, além da prevenção de acidentes domésticos.

Específico à promoção de saúde mental, algumas empresas disponibilizam canais de escuta, por meio de atendimento on-line com psicólogos, garantindo o sigilo e as intervenções necessárias. Esse benefício contempla trabalhadores e inclui familiares. O atendimento é feito por psicólogos do trabalho ou profissionais assistentes. Em muitos dos casos, também é imprescindível o tratamento psiquiátrico e farmacológico.

Nesse cenário de pandemia em razão da Covid-19, que exige o isolamento social como estratégia de controle da contaminação pelo vírus, sugere-se uma atuação multiprofissional para acolher o medo, o luto, as dificuldades de ajustamento; e minimizar conflitos de ordem pessoal, profissional e familiar, ou seja, extra laboral.

A empresa que mantém políticas de promoção de saúde e de segurança reduz impactos na produtividade e custos com doenças, acidentes e lides trabalhistas. Não é diferente em teletrabalho. E, para além da organização, a autogestão da saúde é a mais exitosa das estratégias de prevenção à vulnerabilidade e aos agravos de transtornos psíquicos. É, portanto, responsabilidade do trabalhador o autocuidado, pois nenhuma reparação material vai compensar eventuais danos a sua integralidade humana.

Atitudes e hábitos simples ajudam no enfrentamento. No trabalho: definir e adequar o local de trabalho, vestir-se similar ao contexto laboral, manter pausas, intervalos e a jornada; na dinâmica familiar: priorizar as refeições, a manutenção da casa e atividades de lazer em parceria; valorizar o diálogo e a harmonia das relações afetivas e sexuais. E, como investimento psíquico, é primordial atenção sistêmica à crise, que repercute, indelével, em todos. Realizar ações solidárias é preservar a humanidade, pois é quase impossível suplantar um dano coletivo, numa perspectiva puramente individual.

Contudo, somente é possível cuidar de outras esferas da vida quando, antes, há um investimento no cuidado de si. Essa é a primordial das recomendações. Resta ao final, ratificando a relevância do autocuidado. E, enquanto for preciso o isolamento social e o trabalho em casa, dedicar-se a investir num projeto de vida pós pandemia.

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