Histórico e global
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República. Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King's College London - KCL
opiniao.pe@diariodepernambuco.com.br
Publicado em: 27/05/2020 03:00 Atualizado em: 27/05/2020 05:53
Vivemos hoje, com a pandemia da Covid-19, um daqueles momentos críticos da humanidade. Mundialmente. Sem exceção. Mas esse tipo de crise, provocada por uma doença que mata aos milhares, depois aos milhões, não é algo novo. Passamos por isso outras vezes. E devemos aprender com os nossos erros e acertos.
Como conta Stefan Cunha Ujvari, em A história da humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros microrganismos (Editora Contexto, 2015), “os microrganismos foram globalizados pelo homem. Comércio, guerras, conquistas territoriais e explorações contribuíram para levarmos infecções às terras distantes. Seres microscópicos atapetaram o planeta. Partiram da África carregados por nós. Alastraram-se pela agricultura e domesticação animal. O avanço dos estudos genéticos também mostra a rota percorrida por microrganismos a partir das colonizações e explorações ultramarinas”. Para isso, claro, soluções globais também se impõem.
Doenças contagiosas podem vir como pandemia, às vezes se tornam endêmicas, às vezes estão simplesmente aí, matando, devido à pobreza e às deficiências do sistema de saúde, dia após dia. Peguemos o caso da tuberculose, que parece ainda ser uma (má) companheira fiel. Conforme narra Ujvari, ela “acompanhou o homem desde sua saída da África. Nós a levamos para os quatro cantos do planeta. A bactéria sobreviveu entre a população mundial. Americanos, asiáticos, africanos, europeus e polinésios presenciaram a doença. Períodos de fome e guerras ajudaram-na a ceifar um número maior de vidas. Em alguns lugares, o estrago foi maior. Em outros, a doença não recebeu muita atenção e chegou a ser confundida com qualquer outra enfermidade. (…) Espalhava-se pela população aglomerada das cidades antigas. Uma parcela da população sucumbia com tosse e emagrecimento, enquanto transmitia a bactéria para outras pessoas”. Mesmo descoberto o Bacilo de Koch, com vacina (a BCG) e tratamento eficazes, essa doença não nos abandona. Onde erramos?
Erros no enfrentamento de doenças transmissíveis foram comuns. Alguns, de tão bobos, tornaram-se mitos. Na Peste Negra, no século 14, o abate dos animais domésticos, gatos em especial, como supostos vetores da transmissão, foi estúpido. Os ratos, os verdadeiros vetores indiretos, fizeram a festa, sem o seu principal predador. A ignomínia no tratamento dos portadores da hanseníase – chamados de leprosos – é indesculpável. Na Índia, no Oriente Médio, na Europa, no Brasil. Entre outras coisas, pensava-se que “suas lesões de pele refletiam impurezas que afloravam dos doentes. Seriam, portanto, pessoas impuras e imorais. Na Idade Média, a Igreja comandou a busca por pacientes leprosos e, portanto, pecadores”. Autoridades públicas fizeram o mesmo, antes e depois. Outras doenças foram confundidas com a hanseníase. Forçadamente, “pelos portões das cidades saíam um número cada vez maior de excluídos pela doença em direção aos leprosários, que só aumentavam”. Bebês foram separados das mães. Até outro dia, tínhamos leprosários no Brasil. Uma das maiores vergonhas da nossa história. E já na gripe espanhola, no século passado, muitos subestimaram o vírus. Circularam. Deu no que deu. Contam 50 milhões de mortos no mundo afora.
Dentre os inúmeros erros no combate à Covid-19, quero aqui destacar um que penso ser de proporções globais. Com a pandemia golpeando os quatro cantos do mundo, não consigo entender o boicote, político e irresponsável, de setores da sociedade e de autoridades, à Organização Mundial da Saúde – OMS. Falseiam verdades sanitárias. Desinformam. E muito menos consigo aceitar que financiamento, antes acordado e prometido por países ricos, como os Estados Unidos, seja simplesmente descontinuado por populismo político. Como ficarão os países subdesenvolvidos? Os países muito pobres da África, por exemplo? Isso é genocida, para dizer o mínimo.
Agência da Organização das Nações Unidas – ONU, a OMS, com seus quase duzentos estados-membros, é fundamental no combate global à pandemia. Precisamos, isso sim, apoiá-la. Só ela pode exercer a liderança em questões críticas da pandemia, com parcerias onde a ação comum é fundamental, gerando e difundindo conhecimentos valiosos, promovendo as ações de saúde, prestando apoio técnico e catalisando os bons resultados. Sobretudo, repito, nos países pobres. Acho até que, pelo desempoderamento de que hoje ela padece, podemos, no futuro, repensar a OMS. Transformá-la. Ou mesmo ter uma nova agência, em outros moldes. Mas, hoje, é ela ou ela. E esse boicote ignóbil, ensaiado por alguns, será um erro histórico e global. Podem ter certeza.
Como conta Stefan Cunha Ujvari, em A história da humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros microrganismos (Editora Contexto, 2015), “os microrganismos foram globalizados pelo homem. Comércio, guerras, conquistas territoriais e explorações contribuíram para levarmos infecções às terras distantes. Seres microscópicos atapetaram o planeta. Partiram da África carregados por nós. Alastraram-se pela agricultura e domesticação animal. O avanço dos estudos genéticos também mostra a rota percorrida por microrganismos a partir das colonizações e explorações ultramarinas”. Para isso, claro, soluções globais também se impõem.
Doenças contagiosas podem vir como pandemia, às vezes se tornam endêmicas, às vezes estão simplesmente aí, matando, devido à pobreza e às deficiências do sistema de saúde, dia após dia. Peguemos o caso da tuberculose, que parece ainda ser uma (má) companheira fiel. Conforme narra Ujvari, ela “acompanhou o homem desde sua saída da África. Nós a levamos para os quatro cantos do planeta. A bactéria sobreviveu entre a população mundial. Americanos, asiáticos, africanos, europeus e polinésios presenciaram a doença. Períodos de fome e guerras ajudaram-na a ceifar um número maior de vidas. Em alguns lugares, o estrago foi maior. Em outros, a doença não recebeu muita atenção e chegou a ser confundida com qualquer outra enfermidade. (…) Espalhava-se pela população aglomerada das cidades antigas. Uma parcela da população sucumbia com tosse e emagrecimento, enquanto transmitia a bactéria para outras pessoas”. Mesmo descoberto o Bacilo de Koch, com vacina (a BCG) e tratamento eficazes, essa doença não nos abandona. Onde erramos?
Erros no enfrentamento de doenças transmissíveis foram comuns. Alguns, de tão bobos, tornaram-se mitos. Na Peste Negra, no século 14, o abate dos animais domésticos, gatos em especial, como supostos vetores da transmissão, foi estúpido. Os ratos, os verdadeiros vetores indiretos, fizeram a festa, sem o seu principal predador. A ignomínia no tratamento dos portadores da hanseníase – chamados de leprosos – é indesculpável. Na Índia, no Oriente Médio, na Europa, no Brasil. Entre outras coisas, pensava-se que “suas lesões de pele refletiam impurezas que afloravam dos doentes. Seriam, portanto, pessoas impuras e imorais. Na Idade Média, a Igreja comandou a busca por pacientes leprosos e, portanto, pecadores”. Autoridades públicas fizeram o mesmo, antes e depois. Outras doenças foram confundidas com a hanseníase. Forçadamente, “pelos portões das cidades saíam um número cada vez maior de excluídos pela doença em direção aos leprosários, que só aumentavam”. Bebês foram separados das mães. Até outro dia, tínhamos leprosários no Brasil. Uma das maiores vergonhas da nossa história. E já na gripe espanhola, no século passado, muitos subestimaram o vírus. Circularam. Deu no que deu. Contam 50 milhões de mortos no mundo afora.
Dentre os inúmeros erros no combate à Covid-19, quero aqui destacar um que penso ser de proporções globais. Com a pandemia golpeando os quatro cantos do mundo, não consigo entender o boicote, político e irresponsável, de setores da sociedade e de autoridades, à Organização Mundial da Saúde – OMS. Falseiam verdades sanitárias. Desinformam. E muito menos consigo aceitar que financiamento, antes acordado e prometido por países ricos, como os Estados Unidos, seja simplesmente descontinuado por populismo político. Como ficarão os países subdesenvolvidos? Os países muito pobres da África, por exemplo? Isso é genocida, para dizer o mínimo.
Agência da Organização das Nações Unidas – ONU, a OMS, com seus quase duzentos estados-membros, é fundamental no combate global à pandemia. Precisamos, isso sim, apoiá-la. Só ela pode exercer a liderança em questões críticas da pandemia, com parcerias onde a ação comum é fundamental, gerando e difundindo conhecimentos valiosos, promovendo as ações de saúde, prestando apoio técnico e catalisando os bons resultados. Sobretudo, repito, nos países pobres. Acho até que, pelo desempoderamento de que hoje ela padece, podemos, no futuro, repensar a OMS. Transformá-la. Ou mesmo ter uma nova agência, em outros moldes. Mas, hoje, é ela ou ela. E esse boicote ignóbil, ensaiado por alguns, será um erro histórico e global. Podem ter certeza.
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