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Vigilância em tempos de Emergência

Fábio Jardelino
Jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação em Portugal

Publicado em: 02/04/2020 03:00 Atualizado em: 02/04/2020 00:21

Um Estado de Emergência trás consigo graves restrições às liberdades individuais das pessoas. Desde toques de recolher e privação do direito à livre circulação, até uma vigilância constante dos cidadãos por meio das tecnologias. A história mostra que tais artifícios constitucionais, em democracias, já foram usados para evitar catástrofes que variam de tragédias naturais à desordem social. Há precedentes, porém, de Golpes de Estado traçados a partir desses mesmos mecanismos, resultantes em ditaduras terríveis e Estados opressores. É sobre esse último assunto que dissertarei no decorrer deste artigo.

Hoje, por conta da atual crise do coronavírus, a maioria dos países democráticos do mundo está com esses mecanismos em vigor. Em casos extremos, pode-se citar o ocorrido no dia 30 de março, na Hungria, quando o primeiro-ministro Viktor Orban recebeu poderes especiais - quase ilimitados - para tomar medidas extraordinárias, sob a justificativa de enfrentar o contágio. A medida radical provocou preocupação e questionamentos por parte da oposição e dentro União Europeia.

Outro exemplo está nas medidas tomadas pelo Estado de Israel, detentor de um dos exércitos mais modernos do mundo. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou em um pronunciamento no dia 16 de março que o país passaria a implementar medidas emergenciais de vigilância cibernética durante os próximos 30 dias. Vale salientar que a tecnologia para esse tipo de monitoramento foi desenvolvida para fins de contraterrorismo.

Todo esse poder entregue a esses líderes só ocorreu devido a esse Estado de Emergência atual. A causa nobre de combate ao inimigo comum, o coronavírus, pode trazer, porém, outro problema para a mesa: o fim da nossa liberdade individual. Em um artigo publicado no dia 20 de março, no jornal britânico Financial Times, o escritor Yuval Noah Harari levanta esse debate, quando comenta sobre o atual estado de vigilância em que vivemos. Segundo o autor, nessa etapa da história da humanidade, a tecnologia finalmente tornou possível o monitoramento de todos, o tempo todo.

Por mais que esses dados pareçam ficção, realidade de países distantes, fique certo de que não são. Recentemente vimos essa vigilância virtual se aproximar mais, quando a Prefeitura do Recife decidiu utilizar sistemas de localização de celulares dos moradores da cidade, com propósito de coordenar ações de incentivo ao isolamento social.

Em um pronunciamento ocorrido no dia 24 de março, a prefeitura confirmou que utilizará estratégias modernas de vigilância, como medida para controlar a pandemia na cidade. Que seja uma medida efetiva, não duvido. Mas onde fica o direito à privacidade dos cidadãos, garantido pela Constituição brasileira?

Por causa do combate ao vírus, a partir de agora, a prefeitura saberá em quais locais e em qual hora exata há uma aglomeração de pessoas. Através de algoritmos, poderá traçar todo o tipo de estratégia para impor o isolamento. Mas, e futuramente, quando essa crise passar, para onde vão esses dados? Quem garante que essa vigilância, ou outras similares, não continuarão após a atual crise?

A história está ai para provar que medidas totalitárias não começam da noite para o dia. Primeiro, elas são normalizadas paulatinamente, para, só então, serem impostas. Todos carregamos hoje um aparelho capaz de informar onde estamos, o que estamos falando e o que estamos vendo. Nunca antes na história da humanidade vivemos de forma tão vigiada quanto vivemos hoje. Resta saber se essa vigilância toda resultará, futuramente, no cerceamento da nossa privacidade ou se lutaremos para reforçar esse direito que hoje possuímos.

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