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História e histórias

Luzilá Gonçalves Ferreira
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 07/04/2020 03:00 Atualizado em:

Confinada, retomo leituras deixadas de lado há uns tempos, outras nunca encetadas, esquecidas às vezes nas estantes, releio os mais diversos autores, Rachel Jardim, Lya Luft, Rilke e Mario como sempre, Drummond e Gullar, sorte que a biblioteca armazenada há anos e até com  doações de amigos como   João e Helena Pinheiro, como Luciana, filha de Luiz Marinho, esse grande amante dos livros, essa biblioteca é escolhida. Mas nesta semana topo com os volumes da série completa de História do Brasil de Southey, encontrada por acaso numa feira de livros no Plaza Shopping, há uns anos,  ao preço de, pasmem, um real cada volume. Era uma venda para angariar alguma ajuda para as obras de  Paróquia de Casa Forte. Que grande sorte a minha. Naquela época,  conhecia só de ouvir, o nome de Southey. Recorri a meu consultor sobre obras de História, professor Marcos Galyndo, que me parabenizou a boa sorte. Que me fez mergulhar nessas leituras, tão sérias, inteligentes, bem fundamentadas quanto criticadas pelos comentaristas (aliás anunciados nos livros, mesmo, sob forma de observações ferinas, maldosas ou bem fundamentadas). O interessante é se saber como o protestante é visto por seus comentaristas católicos, que não deixam de atacar seu parti-pris na defesa dos hereges holandeses e no ataque aos padres da Colônia. E fora isso as observações jocosas de Southey, sobre assuntos diversos. Todos sabemos que um historiador deve ter seu lado imparcial, mas é dificil se conservar nessa linha quando se ama seu assunto,  e que o lado hilário do real insiste em penetrar no texto cientifico. Alguns exemplos para divertir o leitor: Comentando o diário de Aldenburgh, que assinalava a escassez de mantimento a certa altura da guerra contra os holandeses e que se comiam cavalos, cães e gatos,  escreve Southey “era uma grande imprevidência matar os gatos, porquanto tornaram-se tão numerosos ratos e ratazanas, que não deixavam a gente dormir na cama, atrevendo-se aos pés, mãos e cabeças” Ou esta frase irônica, falando a respeito de um jesuíta que reunira um rebanho de índios: “Um destes postos foi confiado ao jesuíta Manoel de Morais e ao seu rebanho de índios, de que ele fizera conjuntamente cristãos e soldados”. Ou: “Tinha Albuquerque outros inimigos além dos holandeses. Habitantes havia que, contanto que  vendessem os seus produtos, pouco lhes importava    quem era o comprador, destituídos de todo o sentimento de patriotismo...” Ou falando da capital da Paraíba: “A cidade, chamada N.S. das Neves, perdeu essa invocação mal aplicada num país onde nunca gelava.” Ou este relato: “Era um dos padres tão mestre na arquitetura militar como na das igrejas: levantou a planta dum forte, os seus irmãos deram aos índios o exemplo de trabalhar nas obras carregando pedras às costas”. As anotações do comentarista não perdem a ocasião de lançar farpas contra o  historiador estrangeiro, assinalando vez por outra algo como “ele diz isso por ser protestante.” Essa história do Brasil, resultante de sérias pesquisas, se torna uma delícia de texto para o leitor.

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