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A tragédia da periferia

Alexandre Rands Barros
Economista

Publicado em: 07/04/2020 03:00 Atualizado em: 07/04/2020 06:44

O coronavírus, por ter origem no exterior, tem uma particularidade na sua penetração no Brasil e no mundo (exceção da China). Ele penetrou inicialmente nos países mais ricos e nas elites dos países mais pobres. Entretanto, pela falta de condições para isolamento e tratamento dos doentes, ele representará uma tragédia maior entre os mais pobres. A África, por exemplo, entrou mais tardiamente nessa pandemia, mas certamente será o continente em que a tragédia será proporcionalmente maior. Nas grandes cidades brasileiras, ela revelou-se primeiro nos bairros de classes mais abastadas, mas será nas favelas que se tornará uma tragédia maior. A percepção desse fenômeno poderia ter ajudado a reduzir o impacto desse mal a pelo menos metade em nosso país, se ela tivesse pautado as ações públicas.

Teria sido possível ter se realizado um isolamento das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, inicialmente, controlando-se inclusive o fluxo de pessoas e cargas para as demais regiões do país, como feito na China.

As regiões e cidades só seriam submetidas ao tipo de isolamento atual após confirmação de casos nelas. Essa política, poderia ter assegurado que algo como mais de 30% da população do país atualmente ainda estivesse sem isolamento em suas cidades e regiões, trabalhando normalmente. Obviamente o impacto econômico da Covid-19 seria bem menor nesse caso. Ao invés de previsões de queda do PIB em 2020 entre 4% e até 10%, como há hoje, talvez chegássemos ao fim do ano com taxa de queda do PIB inferior aos 4%. Até mesmo o estado de São Paulo talvez pudesse ainda ter municípios não sujeitos a isolamento, se esse controle de fluxos fosse bem feito, inclusive com previsão de quarentenas rigorosas para quem tivesse que romper os limites das regiões isoladas.

As decisões sobre as medidas, contudo, foram tomadas por pessoas que sempre giraram no eixo São Paulo-Rio de Janeiro-Brasília e por isso resolveram tratar o Brasil como um ponto, não como um quase-continente, como na verdade é. Algumas cidades, como o Recife, logo importaram o vírus do exterior e teriam que ter entrado no isolamento, mas talvez a maior parte de nosso interior ainda estivesse livre de restrições internas. Seguramente alguns estados, como Sergipe, Rio Grande do Norte e mesmo Alagoas e Paraíba, talvez ainda estivessem livres de restrições internas e mesmo entre eles, nos casos que tiverem fronteiras contíguas.

Infelizmente a arrogância dos autocentrados, até mesmo no discurso beligerante do ódio, resolveu mudar o foco para segmentos sociais espacialmente horizontais (no país inteiro). Isso levou à contaminação interna desnecessária e a custos econômicos da periferia bem mais elevados do que o necessário. No fim, todo o país paga uma conta mais elevada, pois a recuperação até mesmo dos municípios, estados e regiões isoladas por mais tempo seria bem mais rápida, caso a parte das áreas espaciais mais tardiamente atingidas tivesse uma recessão mais branda.

Para a condução dessa política mais racional, teria sido necessária uma liderança do país que tivesse lógica cooperativa, unisse esforços de todos os agentes, e pensasse sem ter a cabeça centrada apenas nas grandes cidades nacionais e capital federal. Incluindo-se mais agilidade no recorte espacial da doença e maior esforço de informação sobre o contágio, poderia ter evitado a histeria em ficar tentando jogar os idosos, cardíacos e demais grupos de risco ao sacrifício, com vistas a tentar preservar o bem-estar dos mais jovens. O ódio e o conflito são como o crime, não compensam.

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