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Carnaval de Olinda - passado e presente

Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE) desde 2017

Publicado em: 05/03/2020 03:00 Atualizado em: 05/03/2020 08:56

Múcio Aguiar, presidente da Associação da Imprensa de Pernambuco (AIP), publicou artigo aqui no Diario, no dia 27 de fevereiro, intitulado Apartheid econômico e cultural no carnaval de Olinda. Como morador que sou do Sítio Histórico há 42 anos, estou de pleno acordo com o que ali foi dito. Inclusive, já escrevi várias vezes neste mesmo espaço sobre o assunto. Tenho enorme admiração pelo carnaval olindense, tendo ficado todos os dias da festa em minha casa nos anos de 1979 a 2020. Às vezes, me perguntam se viajo no carnaval, se gosto da folia, etc. Minha resposta é que não vejo melhor lugar para ir no carnaval do que Olinda.

Em 1964, cursando a Fundação Getúlio Vargas no Rio, viajei a São Paulo porque lá, na casa de tios, podia estudar tranquilamente. Mas sentia enorme saudade do Recife quando via as pessoas batucando nos bares. Em 1965, cursando a Universidade de Yale, no EUA, não vi nada. Em 1970, fazendo atividades acadêmicas na Universidade de Vanderbilt (EUA), só participei de brincadeirinhas de estudantes brasileiros que sentiam falta daqui. Em 1977, comecei a vir para Olinda, integrando-me ao bloco Eu Acho É Pouco, então criado. Em 1978, passei uma parte no meu sítio de Gravatá. Foi a última vez que saí de Olinda no carnaval. Depois disso, sequer vou ao Recife Antigo (fui lá duas únicas vezes, desde que ele passou a ter carnaval). Por outro lado, detestei a maldição que foi o Recifolia, em Boa Viagem, aonde fui duas vezes, logo no começo. Minha opção por Olinda é por termos aqui um carnaval bonito, democrático, popular, espontâneo, barato. Neste ano, guardei o carro antes do almoço da sexta-feira e só andei de carro novamente nas Cinzas. Quando quero beber alguma coisa ou comer no carnaval, venho para casa, que tem tudo do jeito que me agrada. Faço sempre bate-bate de maracujá, e, no domingo, servimos sarapatel para os amigos que passam por ela. É um mimo que Vera e eu oferecemos com a maior alegria.

Em 1979, nós, moradores, conseguimos banir os carros do Sítio Histórico, trabalho que foi executado pela associação e assumido pela prefeitura, oficialmente, em 1980. Carro nas ruas da Cidade Alta não faz o menor sentido. Muito menos, o som mecânico que muita gente coloca, interferindo na melodia deliciosa dos blocos e troças de frevo, com suas orquestras de metais. A prefeita Luciana Santos, em 2001, impôs regras para as músicas destoantes que muitas barracas de venda de comida ou gente que aluga casas para o carnaval no Sítio Histórico, gostam de ouvir e querem nos obrigar a adotar o mesmo gosto por esse lixo. Em certo momento, apareceram os detestáveis camarotes, que nada têm a ver com uma festa do povo. Camarote é para elite decadente, para novo rico deslumbrado, para admiradores da indigente cultura comercial imposta pelos meios de comunicação. Em Olinda, o que empolga mesmo é o Hino de Elefante, por exemplo, ou frevos de rua imortais como Vassourinhas. Ou ainda frevos canções como os de Capiba e de intérpretes como Ed Carlos. Todo mundo canta e delira com Último Regresso, de meu primo Getúlio Cavalcanti. Esse é o mundo de um carnaval “imortal, imortal”, como diz o hino do estado, que as orquestras de frevo executam e a multidão explode cantando.

Daí por que a transformação do Parque Memorial Arcoverde em território de um carnaval que nada tem a ver com a folia de Olinda ofende os brios daqueles que possuem um rubro veio. Parque, por outro lado, em qualquer lugar do mundo, é espaço da cidadania e não sofre deformações nunca. Aqui, começou-se desgraçando o Memorial Arcoverde para as exibições do Cirque du Soleil há mais de dez anos. Sobre isso, escrevi aqui no Diario em 28 de junho de 2009: “Em todo lugar do mundo, parques urbanos são conservados para que prestem bons serviços. Na verdade, a cidade, como ecossistema artificial, não dá possibilidades como as que a natureza oferece para bem-estar humano. Sem contar que, com o verde, os parques contribuem para uma função importantíssima do meio ambiente: retirar carbono da atmosfera. Daí que, quanto mais ampla a oferta nas cidades de áreas arborizadas e propícias ao contato indispensável com a natureza, tanto mais qualidade de vida para todos. Diante dessa constatação, parece absurda a destruição que se processa neste momento no parque Memorial Arcoverde, em Olinda, para facilitar a vida de uma empresa, o canadense Cirque du Soleil, que ali terá passagem efêmera em julho deste ano.

Concluo opinando que inventaram um carnaval no Memorial Arcoverde que é completa aberração, além de impedir que o parque que ali deveria existir cumpra sua missão. Que cidade graciosa do mundo abdicaria de seu patrimônio para ter um evento em seu território que causa violência aos valores que ali se cultuam? Múcio Aguiar acrescenta que esse carnaval vulgar ocasiona um apartheid econômico e cultural, ocasionando o fechamento de acesso e saída de Olinda, “algo similar ao vivido, no passado, pelos moradores da Avenida Boa Viagem, que durante o Recifolia sentiam seu direito de ir e vir tolhido”.  Não há alternativa. O parque deve ser do povo e coberto de vegetação, como o Central Park, em New York, o Hyde Park, em Londres, o do Aterro do Flamengo, no Rio. Que a Prefeitura de Olinda entenda isso e dê vigor maior ao carnaval único e maravilhoso de Olinda.

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