Diario de Pernambuco
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Alô, Chacrinha, velho guerreiro!

Marly Mota
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 12/03/2020 03:00 Atualizado em: 12/03/2020 10:03

São remotos e discretos os sentimentos atávicos que me tocam de perto e me fazem procurar a minha ancestralidade, vinda dos longes da Península Ibérica, com a figura quase bíblica de Bernardino Sousa Barbosa e sua mulher Ana Faustina, ambos do mesmo tronco com vínculos de antecedência flamenca do século 19, nascidos em Surubim no agreste setentrional de Pernambuco. Os sete filhos do casal Bernardino, todos com família numerosa, entre eles: José de Souza Barbosa, meu avô, fazendeiro de gado leiteiro e comerciante com loja de tecido. Não confiando no cofre da loja guardava o dinheiro dentro dos penicos (urinóis de porcelana) no alto das prateleiras.

Contava minha avó Júlia que a cidade de Surubim surgiu de ermos caminhos, de um arruado de casas paredes-meias, insinuados por trilhas de carros de bois e invasão de cangaceiros, chefiados pelo “bandido Antônio Silvino”, que aos sábados dispersava feiras livres à bala, judiava de pessoas e perseguia senhores de engenhos da região. Todos os vinte e um netos, eu, Marly, também Barbosa, e Abelardo Barbosa Medeiros a chamávamos carinhosamente Mãe Julia. O primeiro neto, nascido em Surubim, forte e alegre viria a ser conhecido como Chacrinha. Morava no Recife, queria ser médico e cursou medicina até o 4º ano. Com pendores artísticos foi baterista, atuou na Rádio Clube de Pernambuco, mesma época fez parte da “Jazz Band Acadêmica”, viajava muito com o seu amigo, nosso parente, Lourenço Barbosa, o Capiba, grande compositor, autor de frevos, canções, maracatus que animavam os carnavais dos clubes Internacional e Português do Recife.

Meus pais foram padrinhos de batismo de Abelardo Barbosa. Com poucas folgas nos visitou em nossa casa em Bom Jardim, interior de Pernambuco, para um rápido final de semana, quando encontra a sua irmã Maria do Socorro Barbosa e vai com euforia, correndo, cumprimentá-la com abraços e beijos. Com a mesma intenção procura abraçar-me. Meu pai, puxando-o pela gola da camisa ,repreende-o duramente: Aqui, não é a casa das suas “Chacretes”! O fim de semana para o jovem Abelardo acabaria nessa tarde, não fosse a minha mãe, sua tia, madrinha, com aptidão, paziguou a intolerância do meu pai com o seu afilhado, por querer abraçar-me.

Em plena campanha de Mauro Mota à Academia Brasileira de Letras, concorrendo com o professor Tier Martins Moreira, apoiado pelo então governador do Rio de Janeiro; o poeta Mauro Mota ao lado do grande crítico literário Álvaro Lins, seu companheiro desde o Colégio Salesiano no Recife, chefe da Casa Civil do presidente Juscelino Kubitschek, comunica aos acadêmicos, estando fora do Rio, sua intenção de candidatar-se à vaga de Gilberto Amado. Telegrafa ao seu primo João Cabral na Embaixada do Brasil em Quito, Equador: “Quero dois bisnetos na Academia: colocou a assinatura: Mello de Tabocas, bisavô de ambos. Mauro eleito recebe homenagens dos seus companheiros da ABL e assim, alongamos a nossa temporada no Rio para onde levamos a nossa caçula Teresa, com seis anos, e com ela retribuímos as homenagens recebidas.

Com mais frequência íamos à Avenida Atlântica, onde, com Florinda e Abelardo ficaram os meus filhos Eduardo e Sérgio, amigos dos gêmeos José Renato e José Aurélio, mais conhecidos por Nanato e Leleco. Certa noite, Abelardo resolve, sem combinar com Eduardo Motta, levá-lo ao palco do seu programa. Ao passar no camarim onde as Chacretes se vestiam, entre elas a Rita Cadillac, Chacrinha faz Eduardo entrar e fecha a porta. Não sendo o seu espaço, Eduardo ficou naturalmente inquieto com a situação, olhando as bailarinas, depois de algum tempo parecendo séculos, a porta se abre, do lado de fora Abelardo diz: “ Eduardo, saia ! já viu demais! ...”

Na imensa beleza da praia de Maria Farinha, nas nossas temporadas de verão, aos domingos recebíamos familiares e amigos. Gilberto Freyre queria conhecer pessoalmente Abelardo Chacrinha, com os seus chavões. Na casa acolhedora, com o mar à frente, Sérgio Motta levava Abelardo Chacrinha, o Velho Guerreiro, conhecido como o maior comunicador da televisão brasileira, em passeios de barco pelas praias próximas. Na sucessão dos anos, o tempo não morre. A buzina e o Chacrinha permanecem.

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