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Trens, não é só nostalgia não

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 18/02/2020 03:00 Atualizado em: 18/02/2020 05:41

Tem gente que pensa que falar de trens é lembrar um tempo que não volta mais, que a gente encontra na poesia de Ascenço, vou danado pra Catende, com vontade de chegar, trem que atravessava os canaviais e acolhia a morena do cabelo cacheado, de pé, na estação, com vestido bonito. Ou o trem de Jorge de Lima, com as iniciais de G.W.B.R., que lembravam a presença dos ingleses por estas bandas, e que o povo chamava simplesmente de Gretuéste. Outro dia um artigo de Maurico Rands, nesta mesma página do jornal, assinalava a necessidade de voltarmos aos trens, Lembrava tentativas de governos anteriores, sem sucesso de  reinstalação da antiga malha ferroviária, que tanto serviço nos prestava. Até se falava que resolvia parte dos problemas de comunicação entre nosso estados nordestinos, amaciava  questões de ordem econômica e sentimental, ai de nós. Viagem segura, sem crises de petróleo nem aumento exagerado de combustível sem greesa de caminhoneiros, sem acidentes graves.

A maioria dos paises da Europa está ligada por trens e é uma delícia tomar um trem na estação de Montparnasse, em Paris, atravessar a França toda, de repente topar com um campo de lavandas tão azul e fragrante, e chegar na Itália umas horas depois. E há os trens elegantes, mais caros, com poltronas aveludas, e outros mais simples, mais baratos. Na Rússia, com um grupo de estudantes franceses, tomamos um trem em Petersburg, de segunda classe, os bancos duros, limpissimos. Mas no meio da noite passava uma moça servindo chá e bolinhos. Atravessamos campos e campos, a estepe, florestas azuis, os  camponeses nos saudando ao pé de suas isbás e molhos de centeio, como nos contos de Tchekov. Uma vez, em pleno centro da França, 12 graus abaixo de zero no Plateau des Milles Vaches ( planalto das mil vacas, o leitor pode imaginar), a neve cobrindo os trilhos, num trem chamado Micheline, eu era a única passageira do vagão e o controleur, olhou desconfiado meu eurailpass, nunca tinha visto nada parecido, creio, mas fez de conta que sabia o que era.

Jorge de Lima dizia que seu poema era em louvor da G.W.B.R. com todos os bemóis de sua alma lírica, pois escrevia, ele, “na minha inocência de menino, foi a minha primeira mestra de paisagem”. Em nossa trajetória até Maceió, eu sabia decorado todos os nomes onde o trem parava. Cultura inútil, diriam alguns. Uma estação se chamava Gonçalves Ferreira, acho que e homenagem a um tio-avô que governou nosso estado em priscas eras. Mas no grupo de amigos com os quais viajávamos, alguém anunciou: o tio de Luzilá foi maquinista aqui nessa estação. Concordei: “Com todas as honras”. Era gente que também zelava por nossa segurança. Então, obrigada, Mauricio, por mesclar, em seu belo artigo, a economia e a nostalgia. E fica a sugestão. Os trens seriam bemvindos, sim.

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