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Tempo de escola

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 11/02/2020 03:00 Atualizado em: 11/02/2020 09:39

A volta às aulas, nesta semana, enche a cidade de cores, multiplica engarrafamentos à porta das escolas, cada vez mais numerosas, mais onerosas, exigindo dos pais a compra de um mundo de coisas, material previsto, penso para o ano inteiro, nem sempre utilizado na íntegra. Aí me vejo menina no Grupo Escolar Clovis Bevilaqua, no Hipódromo, para cujas aulas eu levava um caderno e um lápis. Apenas. Dona Zefinha ensinava aritmética, português, geografia e história, escrevia no quadro, a gente copiava, decorava, lia em voz alta as poesias (que falta fazem esses exercícios nas escolas de hoje!). Todo dia se escrevia uma redação, inventava-se uma história a partir de pranchas com desenhos de crianças brincando, estudando, lendo, plantando e colhendo flores. Affonso Romano também viveu essas experiências conforme escreveu, experiências, entretanto, muito diferentes daquelas descritas por Ascenso, cuja escola, em Palmares, não era risonha e franca. E na qual o poeta decorava estrofes dos Lusíadas, estudava francês, lamentava a vida  continuando lá fora, de pescarias e banhos de rio.

Retomando e revisando originais de livro sobre a Educação das Mulheres em Pernambuco, andei pelas ruas do Recife, quando professoras ofereciam seus préstimos, em casa, como neste anúncio em 5 de maio de 1840: “Uma senhora de bons costumes e desembaraçada, se propõe a ensinar meninas a ler, escrever e contar, coser e bordar; quem de seus préstimos quiser utilizar, dirija-se a rua Augusta.” Ou este: “Maria Ângela Custódia do Carmo, moradora defronte da Igreja dos Martírios nas lojas do sobrado D.2 pretende abrir aula, de primeiras letras, costuras, xales, bordar lavarinto e mareau, no dia 15 de fevereiro próximo futuro, quem de seu préstimo precisar dirija-se à mesma casa a qualquer hora do dia.”

A partir da segunda metade do século, surgem escolas e colégios para moças. Uma mudança de mentalidade caracteriza famílias residentes em engenhos, buscando professoras mais qualificadas, que aceitem viver longe da capital: “Precisa-se de uma senhora de boa moral e competentemente habilitada para ensinar de primeiras letras até gramática portuguesa e francesa e todo o trabalho de agulha, para exercer estes magistérios em um engenho, na comarca do Cabo, perto da via férrea de S. Francisco. A tratar na rua do Hospício, número 79 com o senhor Francisco Delfino da Silva.” (Jornal do Recife 5.4.1879). Ou esse anúncio no Diario de Pernambuco, em janeiro de 1880, que exige uma educação mais requintada, “Em um engenho próximo à estação Timbó-Assu, via férrea de S. Francisco, precisa-se de uma senhora habilitada a ensinar português, francês, música e piano, preferindo-se de nacionalidade francesa. A tratar na rua Marquês de Olinda, 56, 1º andar”. Sei em que pensa o leitor, estou mexendo em casa de maribondo, dou a mão à palmatória: os tempos mudaram, minha senhora. De acordo. Mas naquele tempo, as crianças de dez, doze anos, sabiam ler e fazer contas de somar. E se duvidar, poderiam até fazer redações aceitáveis, no Enem.

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