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Não há inocência

Daniella Brito
Jornalista, mestre em Sociologia e professora do curso de Jornalismo da Uninabuco Recife

Publicado em: 11/02/2020 03:00 Atualizado em: 11/02/2020 09:38

Semana passada, num grupo de WhatsApp com pessoas de minha família, uma mensagem me chamou atenção. Era de uma suposta epidemiologista do Hospital das Clínicas (ninguém sabe o nome), dirigida a Ana (a pessoa que me repassou também nunca a viu), amiga de uma prima (não se sabe de quem). A misteriosa médica falava sobre o coronavírus.

Num áudio, ela afirmava que “a situação era muito mais séria do que a mídia diz” e que “o vírus pode chegar aqui, com grande probabilidade, no carnaval”.

Estarrecida com mais uma fake news, entre tantas passadas no grupo, questionei o áudio compartilhado e tive uma resposta rápida:

- É verdade, Daniella, “não devemos acreditar em tudo que está na mídia. Devemos prestar atenção na verdade que está nas redes sociais”.

O papo sobre o assunto acabou num emotion avermelhado com cara de raiva.

É nítido que as redes sociais e o WhasApp mudaram a nossa forma de consumir e nos relacionarmos com notícias. É inegável que a compreensão do mundo mudou e a imprensa não é mais hoje um dos principais caminhos de leitura do que nos cerca.  Em cliques e likes, notícia que vale é notícia compartilhada. Mesmo que falsa.

Essa situação remete a muitas considerações. A que me chamou atenção dentro desta história real relatada acima é que, cada vez mais, nos nossos grupos de aplicativos e dentro das nossas bolhas de convivência nas redes sociais, elas, as redes, não estão sendo usadas como meio, mas como fonte.

No jornalismo, cabe à fonte o papel de porta-voz de um determinado fato. Fonte não é meio. Elas podem usar as redes sociais, situação cada vez mais comum, para anunciarem informação. Mas a fonte não é a rede social, a não ser, claro que seja uma comunicação institucional de algumas delas, como o Facebook, o Instagram ou o WhastApp.

A rede social é meio. Não há garantia da fonte, da veracidade da informação só porque ela está na rede. Só porque foi disseminada.  Muito pelo contrário.

Assim como não há fonte desinteressada, não há mensagem desinteressada, sobretudo quando ela é propositalmente construída para ser falsa. É desinformação.

Mesmo nesta história que relatei, aparentemente sem intenção, a pessoa que me enviou a mensagem não tinha, obviamente, o interesse de divulgar algo falso. Quem repassou a suposta notícia pode querer ser reconhecido como alguém sempre bem informado, repassar uma informação importante e até ter uma certa liderança. No entanto, mensagens assim, mesmo quando parecem não ter outra a intenção além de alertar para algo, podem ser uma forma de coletar dados de quem as repassa ou, não raro, de espalhar vírus.

Não há inocência na propagação de fake news. Muito pelo contrário. Há pessoas, grupos e empresas que intencionalmente produzem conteúdo e alimentam essa rede marcada pela não verdade.

Enquanto as redes sociais forem usadas como fonte, a informação com credibilidade que marca uma informação confiável, ética e com responsabilidade social terá muita dificuldade em existir. Se a fonte for o próprio meio, sem a exigência de comprovação e veracidade, as noticias, para muitos, bastam ser espalhadas. Por quem pensa como eu e para quem pensa como eu.  

É importante também perceber que, por mais que seja difícil para muitos que só acreditam em quem acredita em suas crenças, o mundo no virtual e no real é marcado pelo direito ao contraditório.

É urgente sair das bolhas, o mundo não é só marcado pelo sim de nossos iguais.

Isso não é fake. É fato.

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