Diario de Pernambuco
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De mangas e de sonhos

Vladimir Souza Carvalho
Presidente do TRF5

Publicado em: 15/02/2020 03:00 Atualizado em: 16/02/2020 08:11

Um milhão de mangueiras desfilam na minha frente, provocação que não encontra cancelos. Meus olhos, acostumados a enxergar a manga mesmo de longe, cobrem toda a árvore, se deleitando com os frutos pendurados, ainda a amadurecer, vislumbrando, aqui e ali, um mais adiantado que se mostra apto a ser devorado. A vontade de aceitar o duelo, mandando o veículo parar, me armando com um instrumento devido, ultrapassar as cercas e, então, me dirigir até a mangueira para deglutir as que já se encontram de vez (o termo é esse mesmo; os gramáticos de minha infância, se ainda estiverem vivos, podem explicar melhor).  

Das mangueiras, nesse número que a cegueira de minha gula exagera, a maioria imensa exibe o fruto verde, o que simboliza para a manga espada e seus derivados, a minoria estagnada na rosa, que, nas feiras, se dá ao luxo de ter preço mais alto, como se fosse de ouro. Assim mesmo, tenho a rosa como uma manga especial, a rainha de todas, onde até o cheiro, exalado no momento em que a faca lhe desforra, é sumamente gostoso. Calcule agora os seus pedaços, regiamente cortados, mastigados na mesma calma das vacas e dos bois. Fosse comparar a rosa com a espada, diria que a rosa é uma dessas jovens bonitas, que sabe que é bonita, fazendo questão de ostentar esse rótulo. Já a espada é a resistência silenciosa, a consistência duradoira, como se representasse a mocinha, que, sem ter o encanto da rosa, se apresenta, para usar uma expressão típica de um grande amigo, com tudo no lugar, isto é, toda durinha.

Uma vez, ouvindo um acusado, na busca da sua trajetória antes de invadir uma agência dos Correios, esclareceu ter passado antes por um sítio, nos arredores da cidade, devorando dez mangas. Um absurdo, achei, à época. Hoje, me farto, numa viagem de maior porte, com um bocado de mangas que a guloseima introduz na minha imaginação, me tirando da realidade do banco do veículo para me encher com tantas, uma atrás da outra, em todo o percurso até onde a luz do sol permite visualizá-las. Desejo um sítio só de mangueiras, com espaço para as caminhadas, continuando lá os devaneios de cá, até a realidade me alertar que meu recorde, na matéria, se limita a uma só por dia. Então, com o riso amarelo, dou a conversa por encerrada. 

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