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Temperado com pernambucanidade: o livro de Joca

Luzilá G. Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 07/01/2020 03:00 Atualizado em: 07/01/2020 09:04

Na rápida apresentação na contra-capa, Everardo Maciel informa ao futuro leitor o que o aguarda na deliciosa narrativa de casos acontecidos ou imaginados a pessoas queridas e menos queridas, comentários os mais diversos sobre política, e políticos (ai de nós), tudo temperado com o sabor próprio da cultura pernambucana. A epígrafe de Garcia Márquez dá o tom inicial a este livro de crônicas e outras coisas mais, que Joca Souza Leão intitulou de A Primeira Vez Crônicas + 101 diálogos (IM) prováveis: “A vida não é o que alguém vive, mas o que recorda e como a recorda para contar”.

Aqui, entretanto, há muito mais do que o relato de lembranças vividas: aquilo a que chamamos realidade, o fato acontecido, é retomado, comentado, criticado, exagerado, inventado, com inteligência, ironia, perspicácia e não raro uma certa crueldade não desprovida de bom humor, no trato com nossos malfeitos.

Conhecedor profundo de nossa língua portuguesa, herança do pai, intelectual e recitador de Garcia Lorca, e do avô, Múcio Leão, grande poeta, Joca brinca com os vocábulos, desfaz a sabedoria dos provérbios a que fomos acostumados, retoma e refaz anedotas conhecidas adaptando-as ao evento que atualiza, faz que a gente se divirta. Tudo cabe aqui, citações de amigos, presentes ou passados, como Jairo Lima e Geneton Moraes, os que admiramos como Drummond, Chico Buarque.

Joca cita Bandeira: “A crônica é feita de pequenos nadas.” Só que é preciso muita imaginação, experiência de vida, vivacidade de espírito, calor humano, e por que não muita alegria de viver para, como escreveu Katherine Mansfield, “morder a vida como num belo fruto” e transformar esse pequeno nada em obra-prima literária como aquele fato acontecido a certo político apanhado em fuga com uma mala contendo dinheiro. (“Lembra caro leitor, da história do ladrão que foi flagrado correndo com um porco nas costas? “Porco? Que porco? Tira esse bicho daqui”).

Joca cita a fala de uma autoridade, “uma mala não prova nada”. E comenta: eu deveria ter feito o mesmo. “Ao invés de falar mal dos outros sem provas, pois uma malinha, ainda que com 500 mil, não prova nada.”E acrescenta: “Mala? Que mala?”

Ao terminar a leitura desse livro, resta ao leitor enviar a Joca um grande muito obrigado. Pelos momentos de inteligência e de bom humor, coisas se fazendo raras nessa nossa terra de samba e pandeiro cantada por Barroso, o poeta, com que nos presenteou nessas pouco mais de 200 páginas. E que logo venham outras.

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