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Editorial Sísifo, Barroso e as fake news

Publicado em: 03/01/2020 03:00 Atualizado em: 03/01/2020 09:37

Ao falar sobre fake news, Luiz Roberto Barroso comparou o combate às notícias propositalmente falsas ao suplício de Sísifo. O personagem da mitologia grega achava que deixar a vida era mau negócio. Encarcerou a morte, que ficou impedida de fazer o que tinha de ser feito.

A vitória durou pouco. Ao chegar ao outro mundo, o ladino enganou o senhor dos infernos e retornou à vida. Mais tarde, apanhado, foi condenado a rolar uma enorme rocha por uma escarpa. Cada vez que atinge o cume, a pedra escapa. E Sísifo começa tudo de novo.

O ministro, que assume a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em maio, analisa o problema com realismo. De um lado, alerta para o risco de censura. Na tentativa de impor medidas judiciais para frear a ação antiética ou criminosa, pisa-se valor caro à democracia — a liberdade de expressão.

Em 10 de junho de 2015, a ministra Cármen Lúcia, ao julgar a proibição de publicar biografias não autorizadas, disse frase que a declaração de Barroso reafirma: “Cala a boca já morreu”. O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, seguiu o voto da relatora.

De outro lado, Barroso cita a impotência do tribunal. Faltam-lhe recursos humanos e materiais para fazer frente a fenômeno recente, amparado por tecnologia de rapidez avassaladora, cujo enfrentamento desafia as nações mais poderosas do planeta. A eleição de Donald Trump e a resposta popular à consulta para o divórcio do Reino Unido da União Europeia servem de exemplo.

O TSE, com acerto, nega-se a assumir o papel de grande pai, que lhe dá um brilho de ouro falso e joga-o na função de enxugador de gelo. Frente ao admirável mundo novo da internet, deu resposta sensata. Em resolução aprovada em dezembro, obriga o candidato a checar a informação antes de usá-la como propaganda eleitoral. Na ocorrência de fake news, punições são previstas — o direito de resposta ao ofendido e a responsabilização penal em caso de calúnia e difamação.

Trata-se de tarefa hercúlea sem um semideus capaz de enfrentá-la sozinho. Google, Facebook, Twitter e WhatsApp aderiram ao programa do TSE de enfrentamento à desinformação com foco nas eleições de 2020. Checagem, campanhas de esclarecimento e verificação de contas são passos que prometem seguir.

O eleitor também tem papel importante a desempenhar no processo. Impõe-se informar-se em fonte confiável, que tem compromisso com a informação correta e, por isso, investiga antes de divulgar esta ou aquela notícia. (Essa é a função dos grupos de comunicação.) Antes de repassar áudios, vídeos ou textos, o cidadão responsável deve duvidar. O inferno, vale lembrar, nem sempre são os outros.

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