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O Congresso, o 3º setor e as agências

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 09/01/2020 03:00 Atualizado em: 09/01/2020 09:05

Gregário, magnificamente gregário, e gregário não só por conta das próprias carências mas também como transbordamento de suas perfeições, portanto por um “minus” e por um “plus”, como ensinava Gustavo Corção, o homem não é somente sozinho que realiza o bem e o mal, mas também se organiza com seus semelhantes para promover tanto uma coisa quanto a outra. E mil e uma entidades cria, e nelas se envolve, umas tantas para praticar males, as tais hoje chamadas “organizações criminosas”, mas também outras tantas para distribuir o bem – generosamente, prodigamente, dadivosamente, – nisso ocupando seu tempo, suas energias, muitas vezes seu dinheiro, dado sem visar retribuição, espantosamente portanto (segundo aqueles que não podem conceber nenhuma ação sem um objetivo material e mercantil em troca).  

É ótimo, então, que apareçam milhares de entidades dedicadas a tais ou quais causas concretas – defesa do meio ambiente, defesa de minorias, propagação da educação, cuidado com doentes, idosos, os necessitados de toda espécie, etc. O absurdo estará em pretender que essas entidades – beneméritas, em si mesmas – representem a “sociedade civil”. Porque obviamente o que elas representam são somente os seus sócios. Abnegados, generosos, idealistas que sejam, mas somente seus sócios. Podem e devem ser apoiadas pelos governos, sim, por causa dos bons valores a que se dedicam, mas jamais pelo fato de que nelas a “sociedade civil” se exprimiria. Não se pode dizer de nenhuma delas individualmente que “representa” a sociedade civil (mesmo no segmento específico de que se ocupa), nem que o conjunto delas representa a sociedade civil. O conjunto dessas “organizações não-governamentais” somente representa o conjunto dos seus sócios – e, que eu saiba, ninguém é obrigado a se associar a entidade alguma.  

Vivemos hoje o equívoco dessa incompreensão – de pensarem, não somente muitos dos chamados “formadores de opinião”, mas até os políticos, o Congresso, que essas entidades representam a sociedade civil. Quem representa a sociedade civil são os governantes e os legisladores eleitos pelo povo. E é escandaloso que os parlamentares aceitem essa fraude, que, no fundo, é uma usurpação de papel exclusivo seu, atentado fraudulento contra eles mesmos.

Pior ainda é quando se transferem atribuições normativas  a Conselhos ou a Agências, integrados em boa parte por representantes dessas entidades. A função de legislar é exclusiva do Congresso, que, bem ou mal, o povo elegeu. E o Congresso não pode se demitir de tal responsabilidade. Tais Conselhos e Agências no máximo poderiam ser criados pelo Congresso como órgãos auxiliares seus. Penso que, com funções normatizadoras, são francamente inconstitucionais. E um bom presidente deveria simplesmente suprimi-las, começando por extinguir mandatos que são, em si mesmos, absurdos: mandatos outorgados por administrações passadas e que se prolongam pela nova administração a dentro, quando, evidentemente, deve prevalecer a vontade popular expressa nas eleições. Isso mesmo escrevi quando Lula foi eleito, desejando que ele tivesse a coragem de declarar nulos esses mandatos pelos quais o reizinho FHC continuava mandando na sua administração – e por isto, estou muito à vontade para repetir agora. 

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