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EUA x Irã: cenários do conflito

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 06/01/2020 03:00 Atualizado em: 06/01/2020 09:18

Em sua análise publicada no Financial Times desse fim de semana, Richard Hass, presidente do Council on Foreign Realtions, qualificou o assassinato do general iraniano Qassen Soleimani como o acontecimento mais significante para a geopolítica do Oriente Próximo desde a decisão de George W Bush que deflagrou a guerra do Iraque. Para ele, a retaliação do regime poderá deflagrar uma guerra não-convencional que terá como campo de batalha todo o Oriente Próximo e possivelmente o mundo. O Irã tem um arco de possíveis alvos americanos que vai desde os diplomatas e homens de negócios até as tropas no Iraque, Afeganistão, Síria, Qatar, Arábia Saudita e Bahrain. Ao abandonar o Acordo de 2015 para contenção do programa nuclear iraniano, o presidente Trump até então seguia a política da pressão econômica máxima sobre aquele país. A eliminação de Soleimani significou uma súbita mudança da tática da guerra econômica para a ação militar. Embora cético, Hass ainda acredita em iniciativas diplomáticas que possam prevenir uma escalada de guerra total entre os dois países. Ao menos para limitar as ações militares de um lado e de outro.

O governo Trump justificou a ação no aeroporto de Bagdá como uma ação preventiva contra planos que seriam executados por Soleimani para matar dezenas de alvos americanos. Ele que já liderara várias iniciativas que teriam matado muitos americanos. Trump invoca a teoria da guerra pré-emptiva, que poderia ser admitida pelo Direito Internacional. O problema é que muitos analistas estão rememorando o pretexto de Bush para a Guerra do Iraque. Viu-se depois que simplesmente não existiam os arsenais nucleares que os EUA queriam destruir preventivamente. Nessa nova iniciativa americana de guerra pré-emptiva parece que também não existem provas de ataques ‘iminentes e sinistros’. O ataque foi perpetrado no aeroporto de um outro país soberano, o Iraque. Foi como se o Irã matasse o secretário de defesa americano Mike Pompeo durante uma visita dele a Londres. Foi um ato de guerra contra o Irã. Os EUA iniciaram uma guerra sem qualquer consulta aos países aliados. E sem autorização do Congresso Americano, como lembrou um senador americano falando para a BBC.

Sabe-se que nesse conflito não existem anjos. Soleimani organizava ações terroristas a partir do seu posto de chefe da guarda revolucionária iraniana no exterior. Utilizava uma fórmula paramilitar combinando milícias locais com o uso de mísseis. Tática que, aliás, não desaparece com sua morte. A questão é analisar as consequências do seu assassinato. Em primeiro lugar, a mensagem de que a maior potência do planeta mais uma vez não se preocupa com os princípios do Direito Internacional. Depois, a constatação de que a fabricação de um mártir no campo adversário às vezes produz o efeito contrário. Sobretudo uma figura da expressão de Soleimani, que combatia o Estado Islâmico no Iraque e na Síria e que se consolidara como o segundo mais influente personagem público do Irã, atrás apenas do Ayatollah Ali Khamenei. Os problemas internos do regime iraniano tendem a ser deixados em segundo plano, com o povo nas ruas exigindo vingança e apoiando o governo. Na região, o Irã pode ganhar mais controle do que tem hoje. Já lhes são simpáticos os governos do Iraque, Síria e Líbano. Sua influência no Iraque pode levar aquele governo a exigir a retirada definitiva dos 5 mil soldados americanos. O próprio povo americano pode exigir uma retirada mais ampla das tropas americanas na região, o que facilitaria a ampliação do poder iraniano. As maiores apostas, portanto, vão no sentido de que vai diminuir a influência americana na região.

Internamente, Trump pode se beneficiar. Replicando o êxito eleitoral de Bush depois da guerra do Iraque. Aparecendo como um líder determinado a proteger as vidas americanas a qualquer custo. Sintonizado com as emoções de medo e nacionalismo de seu povo. Isso pode inclusive ter pesado na sua decisão. Mas pode também complicar sua posição em relação à questão do impeachment por não ter consultado o Congresso para a deflagração de uma guerra contra o Irã. Pelo simples motivo de que não se mata um governante de outro país senão em estado de guerra. Soleimani era um governante em exercício de um país soberano, ainda que violador de normas internacionais e praticante de atos de terrorismo. Mas não era um líder de um grupo terrorista aposentado, como Bin Laden, assassinado por ordem de Obama. Nem um chefe de estado deposto, como Sadam Hussein. Nem um líder de um grupo terrorista em fuga, como Abu Bakr al-Bagdadi, abatido na Síria em outubro passado por ordem de Trump. A consequência pode ser oposta à que pretendia.

Ele que assumiu prometendo diminuir a presença militar dos EUA no mundo, pode ter se metido numa guerra de duração e dimensão desconhecidas contra um país como o Irã, que tem grande potencial para a guerra convencional, mas também para a não convencional.

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