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Compare-se. E não minta

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República, doutor em Direito pelo King's College London e mestre em Direito pela PUC/SP

Publicado em: 21/01/2020 03:00 Atualizado em: 21/01/2020 10:07

Eu não conhecia Jordan B. Peterson (1957-). Não vou mentir. Talvez fosse porque esse psicólogo canadense, muito badalado atualmente, tenha derivado um pouco para o ramo da autoajuda. E eu não sou muito de autoajuda, também não vou mentir.

O fato é que li sobre Peterson num Dossiê da revista Superinteressante – “A filosofia pop do século 21”, autoria de Thales de Meneses, 2019 – e fiquei curioso. Corri para a livraria Saraiva. Tinha um crédito por lá. E comprei o best-seller de Peterson 12 regras para a vida: um antídoto para o caos, que é bem recente, de 2018. Estava na seção de autoajuda (não vou mentir). De toda sorte, já estou lendo e adorando.

Das 12 regras de Peterson, uma me chamou bastante a atenção: “Compare a si mesmo com quem você foi ontem, não com quem outra pessoa é hoje”.

E não foi coincidência. Tinha visto, como chamada de capa do UOL, uma matéria com título deveras explicativo: “Como Réveillon dos famosos faz inveja atingir novos picos no Instagram”. De fato, hoje, o que há de mais moderno no imaginário popular são as fotos no Instagram. Os famosos, claro, estão sempre em lugares maravilhosos. Com tudo do bom e do melhor. E muitos de nós caem num masoquismo viciante. Queremos imitar. Algo de ostentação. Devemos parecer também todos lindos. Bem vestidos. Se não dá para passar o Réveillon em Trancoso, que se vá de casa de praia de algum conhecido. E, assim, a roda gira, de inveja em inveja, todos os anos.

Se a inveja do Instagram cai no campo das futilidades, há, no dia a dia, um sentimento mais profundo e não resolvível. Como explica Peterson, “não importa o quanto você é bom em algo ou como classifica suas realizações, há alguém por aí que o faz parecer incompetente. Você é um bom guitarrista, mas não é o Jimmy Page ou Jack White. É quase certo que não conseguirá arrasar nem mesmo no bar local. Você é um bom cozinheiro, mas há muitos grandes chefs. A receita de cabeça de peixe e arroz herdada de sua mãe, não importa o quão celebrada seja em sua vila de origem, não tem lugar nesses dias de espuma de grapefruit e sorvete de whisky e tabaco. Algum poderoso da Máfia tem um iate mais brega. Algum CEO obsessivo tem um relógio com um mecanismo mais complicado e que dá corda sozinho, guardado em uma caixa de carvalho e aço mais valiosa. (…). E você? Sua carreira é chata e sem propósito, suas habilidades com a manutenção da casa são de segunda categoria, seus gostos são assustadores, você é mais gordo do que seus amigos e todos têm pavor das suas festas. Quem se importa se você é o primeiro-ministro do Canadá quando outra pessoa é o presidente dos Estados Unidos?”. É frustrante.

E para aqueles que estão em situação mais vulnerável, alguns beirando a miséria, a inveja – e adicione aqui uma pitada de revolta com a nossa inegável desigualdade social – desperta os instintos mais primitivos. É até uma das causas da criminalidade. Não a única, claro. Um sociólogo, minimamente comprometido com a verdade, pode explicar essa relação muito bem. Mas isso é outra história.

O fato é que a atualidade e a utilidade da regra/conselho de Peterson – “Compare a si mesmo com quem você foi ontem, não com quem outra pessoa é hoje.” – é patente. Intuitiva até para evitar frustrações e recalques. Embora, não nos enganemos, tenha um quê de autoajuda.

Para dizer a verdade, eu até já tinha escutado igual lição nos versos de um brasileiro, o grande Vicente de Carvalho (1886-1924), que, no Soneto “Felicidade”, lembra: “Essa felicidade que supomos/Árvore milagrosa, que sonhamos/Toda arreada de dourados pomos. Existe, sim: mas nós não a alcançamos/Porque está sempre apenas onde a pomos/E nunca a pomos onde nós estamos”. Mas aqui não é autoajuda. É poesia autêntica.

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