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Urbanismo selvagem e oneroso

Roberto Ghione
Arquiteto, ex-presidente e conselheiro superior do IAB PE

Publicado em: 18/12/2019 03:00 Atualizado em: 18/12/2019 08:50

Exclusão e discriminação, arquiteturas e urbanizações fechadas e defensivas, mobilidade motorizada individual, espaços públicos degradados e sem vivência social, desrespeito ao patrimônio natural, cultural e edificado, precarização das periferias são, dentre outros, sinais eloquentes de barbárie refletidos nas cidades brasileiras. Urbanismo primitivo e selvagem, que estimula comportamentos humanos baseados no isolamento, a fragmentação, o “cada um por sim” e o “salve-se quem puder”, princípios exatamente contrários à noção de urbanidade e civilidade, que marca a natureza histórica das cidades.

Além disso tudo, caro. Os brasileiros pagam um preço muito elevado, em termos sociais e financeiros, para habitar cidades extremamente desqualificadas. Elas contradizem os princípios básicos da sustentabilidade, tornando-se irracionais e onerosas perante a omissão, incompetência, negligência ou ignorância dos governos municipais.

Quem paga o maior ônus social desta situação são os grupos menos favorecidos, forçados a habitar em condições extremamente precárias –as vezes infra-humanas- que postergam ou eliminam as oportunidades de desenvolvimento pessoal, evidenciam os conflitos por exclusão e discriminação, e perpetuam a desigualdade que atrela o país ao subdesenvolvimento.

O ônus financeiro cai acima da classe média, forçada a habitar nas ofertas do mercado imobiliário, em apartamentos caros pelas “amenidades” colaterais, que substituem os espaços de encontro e lazer que a cidade não oferece, assim como as garagens, necessárias perante a ausência de planejamento da mobilidade urbana. Os custos de construção e manutenção desse tipo de moradia – assim como de compra e manutenção de automóveis –tornam irracional e insustentável o urbanismo que se pratica no Brasil.

Na contramão do primeiro mundo, no Brasil se insiste com um modelo de cidade primitivo e selvagem. Enquanto as cidades civilizadas assumem como metas a diminuição dos automóveis e a restrição à construção de garagens – ao mesmo tempo em que planejam sistemas eficientes e alternativos de mobilidade – no Brasil ainda se sobrevalorizam as vagas de estacionamento. Enquanto lá, as políticas urbanas tendem a estimular a convivência e o usufruto dos espaços públicos para todas as pessoas, aqui se insiste em edifícios defensivos, com muros e guaritas que impedem o convívio social e estimulam a violência e a segregação. Enquanto a classe média brasileira viaja, admira e desfruta da convivência urbana do mundo civilizado, quando chega no Brasil se vê forçada a praticar o contrário.

Este modelo ultrapassado e doente de urbanismo é contagiado nas cidades de mediano porte, que copiam as piores mazelas das cidades grandes, transferindo os graves problemas sociais e descaracterizando as culturas e as paisagens locais, sem análise crítica nem políticas urbanas que priorizem o interesse geral acima dos particulares.

Urbanidade e civilidade, atributos essenciais das cidades, perderam-se no Brasil. Cabe refletir e educar acerca deste assunto, que coloca em questão a própria condição democrática e civilizatória da sociedade brasileira.

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