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Uma novela de Carrero

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 10/12/2019 03:00 Atualizado em: 10/12/2019 09:12

Surpreendente, na forma e, diria, no estilo, este último livro de Raimundo Carrero, recentemente publicado pela Iluminuras: um texto de menos de cem páginas, escrito em menos de três meses, um recorde, quando conhecemos a dimensão e o trabalho de elaboração de cada uma das obras de Carrero (exceção feita pela história de Bernarda Soledade a Tigre do Sertão, que é, para mim, o mais bem elaborado e mais poético dos livros do autor).

Claro, o escritor de Sombra Severa, retoma aqui alguns dos temas que fizeram dele um romancista mundialmente conhecido e traduzido na França, na Romênia, no Uruguai, na Bulgária, objeto de estudo de mestrado e doutorado na UfRJ,  na Ufpe: a difícil e sempre problemática relação entre os seres humanos, sua luta contra as raízes do mal, latentes nos corpos, nas almas, na vida cotidiana, ao longo das existências, tudo isso relatado com a mestria de quem domina as palavras, a arte de dizer esse mergulho nos profundos, obscuros e misteriosos dilemas enfrentados pelos seres humanos.

Já no título o leitor é despistado: Colégio de Freiras (ao ouvir um depoimento de Carrero sobre o livro eu pensei em algo como A Religiosa, de Diderot). Nada a ver. Na contracapa, a novela “denuncia o tratamento cruel que sofriam – e ainda sofrem – as jovens brasileiras que amam o sexo, e conta a história de Vânia, que é condenada sem julgamento ou processo legal a vive numa colônia penal do Recife porque perdeu a virgindade...”.

Multiplicando citações bíblicas e referências à religião, Carrero nos leva a acompanhar a luta de Vânia, para assumir suas escolhas e termina como uma espécie de revolucionária que luta pela própria liberdade denunciando a hipocrisia da sociedade. Em citações do profeta Daniel, conhecemos a chegada de ovni e extraterrestres. Na personagem de um padre, confessor das moças, a desatenção com relação aos problemas de toda ordem que cercam essas ovelhas. Há freiras cruéis e a dona do prostíbulo exige que as “meninas” enverguem uniformes de escolares para excitar as imaginações.

Como sempre, Carrero domina bem a arte dos diálogos mas a quantidade de vocábulos chulos ou quase, referentes a partes do corpo e o exercício do sexo pode surpreender o leitor mais sensível. O que é uma pena, pois a questão da emancipação feminina, o feminicídio, a injustiça feita às mulheres, de um modo geral, está na ordem do dia.

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