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O valor do patrimônio histórico e espiritual

Luzilá G. Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 17/12/2019 03:00 Atualizado em:

Há uns dias os meios de comunicação registraram o protesto indignado de moradores de Bom Jardim, a respeito da derrubada, encabeçada pelo prefeito, imagino, de igreja antiga. Mas qual? Talvez a igreja não fosse tombada pelo patrimônio (e mesmo que não fosse), não tinha, ao que parece, grande valor arquitetônico, histórico (e mesmo que não tivesse), segundo deve ter pensado o demolidor em questão. Mas era um objeto de amor, ali foram realizados batismos casamentos, velórios, a memória da comunidade vivia ali. Era lugar de encontro de jovens e menos jovens, de reuniões diversas, a história das pessoas a memória das gentes, um patrimônio espiritual, um patrimônio histórico sim. De nada adiantaram os gritos de alerta, o demolidor se arvorava proprietário da cidade, conhecedor da necessidade de sua modernização (?), dono de sua alma, mais iluminado do que qualquer de seus moradores; a igreja desapareceu, agora não tem mais jeito, disseram alguns, e, claro, guardando as proporções,  eu lembrei em como ruas inteiras de Varsóvia foram reconstruídas, depois dos bombardeios. Na mesma ocasião, recebo um vídeo, via internet, de atividade em comuna do interior da França, organizada pelo chamada Caue (existem 93 no país, isto é, uma para cada departamento, que corresponde mais ou menos a um nosso estado), e visa restaurar e conservar a memória arquitetural, histórica e paisagística dos lugares, suscitando nas pessoas o amor, o cuidado com a conservação de lembranças mesmo as mais humildes. Revitalizando ou conservando fachadas, pintura de portas, janelas, com as cores de origem, cuidando da vida da comunidades, sob o ponto de vista social, ecológico, histórico, promovendo manifestações que agrupam e afastam a solidão das pessoas. Um exemplo: uma coroa de flores é depositada cada ano no monumento aos mortos, segue-se missa, almoço oferecido pela prefeitura (ou o que lhe corresponde), um concerto da banda local ou de comunidades vizinhas, e no fim do dia, baile ao ar livre. Todos são chamados a encontrar os demais. Participar. No dia 24 de novembro passado, os moradores de Saint Michel de Lannès, na região da Occitania, sul da França, crianças, jovens, velhos, homens e mulheres, foram chamados ao plantio de trepadeiras nas suas calçadas. A prefeitura cavou, abriu a sementeira para a escolha das flores, instalou armação para trepadeiras (as calçadas não têm mais de 60 cm na rua principal), no asfalto só há lugar para um automóvel. Meu filho, aniversariante na data, me mandou o vídeo: plantava um jasmin - estrela, ao lado de vizinhos. Houve apresentação da música da Occitania (Silverio Pessoa que estudou a cultura da região, a conhece bem), feirinha de artesanato, comedorias. Certamente uma missa na igreja e baile ao ar livre, no fim do dia. Nota: o povoado tem cerca de 700 habitantes.

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