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O Supremo contra o país (2)

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE
jslzdelgado@gmail.com

Publicado em: 16/12/2019 03:00 Atualizado em: 16/12/2019 09:43

Embora tenham óbvias afinidades, são, de fato, dois problemas diferentes – a presunção de inocência e o início da execução da sentença condenatória. Neste segundo, que não decorre necessariamente do primeiro, outros valores estão envolvidos. E o Direito é sempre uma balança, a pesar os diferentes interesses em jogo: não só o interesse do condenado em evitar ou retardar ao máximo o cumprimento da pena, mas também o interesse geral da sociedade, de retirar de seu convívio personagem sobre o qual pesa tão forte presunção (ainda que relativa) de culpa. Em causa está não somente o princípio da presunção da inocência, mas estão também outros princípios, como o da eficiência penal, o da não-impunidade, o da razoável duração do processo.

Qual a conduta que a ordem jurídica deve prestigiar? A do condenado    que fica multiplicando expedientes e recursos para protelar o cumprimento da pena? Ou à ordem jurídica e à sociedade interessa que as situações e os delitos sejam esclarecidos e os culpados não fiquem deambulando por aí, impunes, debochando dos homens de bem? Pesados todos os valores em questão, bem se pode – em nome da ordem jurídica e do bem geral da sociedade – promover a execução da pena uma vez proferida só a sentença de 1ª instância (quanto mais de segunda!), como acontece na imensa maioria dos países mais civilizados do Ocidente. Não pode ser interesse do País (e, portanto, não deveria ser admitido pelo Supremo) deixar soltos criminosos de crimes revoltantes, bárbaros, hediondos, como aqueles muitos que foram arrolados em magníficos votos infelizmente derrotados. E isso somente pelo pretexto de ainda haver recursos técnicos em tramitação.

(Nem se transfira a culpa para o sistema de recursos hoje vigente. Ele pode ser muito útil e necessário em numerosas situações. Não há por que rejeitar um remédio por conta de um eventual mau uso. Embora não seja fácil, é claro, evitar que o sistema recursal seja usado de má fé, por advogados muito bem remunerados, interessados em descobrir pretextos e artifícios para eternizar as causas).

Se tivesse mantido o entendimento anterior, pode-se acusar o STF de estar inovando diante de texto constitucional expresso? Admitamos que aquele anterior  entendimento fugia à leitura simplesmente literal da Constituição. Mas inovar, decidir contra a Constituição, assumir o papel do Legislador, não é isso que o Supremo vive fazendo? Basta lembrar o caso das cotas para ingresso nas universidades, quando o Supremo decidiu contra, pelo menos, duas cláusulas constitucionais expressas (além do fato de que, quando a Constituição quis admitir cotas, o fez expressamente, como na hipótese de vagas para deficientes).

No fim, não lamento tanto os votos majoritários, que já eram esperados – inclusive os votos respeitáveis, aqueles dos ministros Celso de Melo e Marco Aurélio. O que lamento é que nenhum dos excelentes ministros da minoria derrotada tenha tido a desfaçatez de pedir vistas. Para propositalmente retardar o processo. Como o sr. Gilmar Mendes fez recentemente, paralisando, por mais de 3 anos, processo cuja decisão, já encaminhada, lhe desagradava.  E para esperar a iminente chegada de um novo ministro, o sucessor do decano – que é sério e respeitável, sim, mas, no caso, está levitando, docemente embalado por seu garantismo lírico e prolixo.

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