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O que fazer?

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República

Publicado em: 24/12/2019 03:00 Atualizado em: 24/12/2019 08:28

Nesse período natalino, é comum fazermos doações – ou aumentarmos, caso seja uma prática rotineira da pessoa – a quem mais precisa. Algo muito positivo, a meu ver. De toda sorte, o assunto – sobretudo quando se refere a doações a quem vive nas ruas – é polêmico.

E, assim, lembrei de um filósofo que gosto bastante: Peter Singer (1946-), australiano, autor de Liberação animal (1975) e Ética prática (1979) e considerado o fundador do que hoje chamamos de “direitos dos animais”. Mas Singer também estuda a pobreza e o sofrimento no mundo. Quer combatê-los. Por isso, somando-se o fato de também defender o aborto e a eutanásia, ele é considerado um “homem perigoso”.

Para enfrentar a pobreza, Peter Singer é a favor das doações. Mas o é de uma forma bem peculiar. Na década passada, publicou Quanto Custa Salvar Uma Vida? – Agindo agora para eliminar a pobreza mundial (2009). Embora estejamos diante de uma discussão que perdura há bastante tempo, Singer toma uma posição claramente a favor das doações. Entretanto, propõe que isso se dê de forma mais ampla, estruturada e regulamentada, através de organismos humanitários encarregados para tanto. Para ele, bem menos importante – ou eficaz – é tirarmos nossos sapatos e darmos na rua a alguém que deles precise do que doarmos seu valor, de modo sistemático e organizado, através de agências especializadas, para ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade. E aqui já enxergamos o caráter utilitarista de sua filosofia.

Ele também concorda com o argumento de que dar dinheiro ou comida diretamente gera dependência. Esse tipo de doação deveria se dar apenas em casos de catástrofes. É mil vezes melhor, portanto, fomentar a produção de alimentos e demais fontes de riqueza pelas próprias pessoas ou pela comunidade. O problema é que temos uma tendência de olharmos sempre para o que nos está mais próximo. “A caridade começa em casa”, é verdade. Ademais, a presença de uma criança faminta na esquina de nossas casas – ou de um animal, para quem é amante da natureza – pode nos ser muito mais tocante do que as estatísticas mundiais sobre a pobreza e a fome. Isso sem falar que doações a agências humanitárias podem nos parecer como gotas no oceano, passíveis de se perder na burocracia e nos desvios de estilo, sobretudo se comparadas àquela que mata uma fome aqui e agora.

Na verdade, Peter Singer defende um “altruísmo eficaz”, incentivando pessoas a trabalhar com formas mais eficientes de ajudar quem precisa. Ele sabe que doar faz bem também para quem doa. Fazer o bem, já pregava o Buda, enche nossos corações de alegria. Mas Singer aponta evidências concretas de um melhor aproveitamento dos recursos com ações sistemáticas e racionais, defendendo que os resultados – muitíssimo melhores a longo prazo e para um número bem maior de pessoas – são mais importantes que a recompensa moral momentânea.

E se a pergunta é “o que fazer?”, Singer simplesmente responde que nossas doações devem se basear menos na emoção e mais na razão. Eu acho essa sacada excelente (muito embora não consiga ficar insensível ao sofrimento próximo a mim, desde já confesso). Só espero que, ao concordar com ele, eu também não seja considerado, nestes nossos tempos bárbaros, um sujeito deveras perigoso.

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