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O poder da religião em pleno século 21

José Roberto de Souza
Doutor em Ciências da Religião e professor universitário

Publicado em: 24/12/2019 03:00 Atualizado em: 24/12/2019 08:27

Quem conhece um pouco sobre a história universal, seja essa passada ou presente, concordará que a presença da religião nas suas múltiplas simbologias sempre foi algo inevitável, independentemente da etnia, da língua ou da cultura. Esse fenômeno está associado ao que o reformador do século 16 João Calvino denominava de “semen religions” (semente da religião) e “sensus divinitatis” (senso da divindade) (Institutas da Religião Cristã, 1559, Livro 1 – 5, passim). Em outras palavras, há um elemento em comum que une todos os humanos: a finitude. Todos os que nascem também morrem. Para isso, são necessárias algumas indagações relacionadas à vida e à morte. Por exemplo: Por que nasci? Por que estou aqui?  E para onde irei quando morrer? Isso sem falar da necessidade inerente diante da perda de um ente querido, ou até mesmo de uma situação em que as supostas forças que tínhamos não foram suficientes em alguns momentos para nos proteger, nem para nos socorrer. Eis que entra em cena o poder do mundo transcendental. Na realidade, houve tempos em que o mundo foi regido pelo poder do discurso religioso. Como paradigma, podemos lembrar o período medieval. E, quando tentaram enfraquecer o poder desse discurso, isso não funcionou por muito tempo. Ora, podemos pegar o nosso próprio momento e lembrar que, na maioria das vezes, a plataforma do discurso religioso de um candidato a um cargo político é o que determina o seu resultado. Para quem tem dúvidas disso, lembrará que, em todas as eleições presidenciais, sempre assuntos relacionados a uma ética religiosa voltam à tona nos debates. As perguntas são sempre (re)feitas e repetidas. Assuntos relacionados ao aborto, família, sexualidade etc costumam fazer parte do evento eleitoral. Todas as perguntas relacionadas a essa temática, quase que sem exceção, estão envoltas em princípios religiosos. Houve situação em que um candidato, no desespero da corrida eleitoral, tentando enfraquecer o seu oponente, afirmou que ele era ateu. Isso, diante de um eleitorado predominantemente cristão, foi um golpe sem precedente. Porém, para não perder os seus eleitores, e consequentemente a eleição, o candidato difamado, para se desfazer do boato, não demorou para que visitasse igrejas e aparecesse com uma Bíblia em mãos. Com isso, ratifica-se o poder do discurso religioso. A religião, que durante anos esteve distante dos meios acadêmicos, hoje tem se tornado uma protagonista. Evitada durante algumas décadas nos cursos de graduação, e mais ainda na pós-graduação, tendo em vista o argumento da incompatibilidade entre ciência e fé, hoje ela se faz presente tanto nos cursos de Teologia como nas Ciências da Religião, bem como noutros nas quais ela foi ignorada em algumas ocasiões. Na sua obra O que é religião?, Rubem Alves faz uma indagação e prontamente responde: “Desapareceu a religião? De forma alguma. Ela permanece e frequentemente exibe uma vitalidade que se julgava extinta. [...] A religião está mais próxima de nossa experiência pessoal do que desejamos admitir. O estudo da religião, portanto, longe de ser uma janela que se abre apenas para panoramas externos, é como um espelho em que nos vemos. Aqui a ciência da religião é também ciência de nós mesmos: sapiência, conhecimento saboroso” (2010, p. 10 e 12).  

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