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Editorial Diplomacia pouco diplomática

Publicado em: 30/12/2019 03:00 Atualizado em: 30/12/2019 09:48

Falar sem dizer é habilidade ensinada ao candidato a diplomata nos bancos do Instituto Rio Branco. No treino para adquirir a técnica, vale lembrar duas expressões. Uma: “é interessante”. Curinga, ela cabe em qualquer situação e evita enrascadas. A outra: “é complicado”. Se posto contra a parede, o profissional faz um teatrinho: franze a testa, exibe um olhar pensativo, mexe os braços como quem procura a resposta no ar e solta as duas palavras mágicas. Safa-se. Fala sem dizer — não compromete nem se compromete.

O ministro Ernesto Araújo e equipe parece terem faltado às aulas da Casa de Rio Branco. Lá se aprende lição valiosa nas relações que envolvem o concerto de interesses nacionais: as palavras que dizem têm peso. Antes de serem proferidas, são analisadas em todos os ângulos possíveis. Especialistas são ouvidos. Formas de dizê-las são ensaiadas. Só então, viradas pelo avesso, lavadas e enxugadas, recebem o aval para vir a público. O receptor as encara com respeito, ciente de que vêm embaladas com profissionalismo.

Sem observar os cuidados protocolares, a condução da política externa verde-amarela perdeu-se no errático vai e vem — diz e desdiz. A China, principal parceiro comercial do país, foi acusada de querer comprar o Brasil. Mais tarde, o pragmatismo se impôs. O gigante asiático firmou alianças comerciais com o país e sobressai em leilões de infraestrutura.

O alinhamento quase automático ao presidente Donald Trump ignorou preceito clássico de John Foster Dulles: “As nações não têm amigos. Têm interesses”. Trump, ao contrário, segue o ensinamento. Apoiou o Brasil na pretensão de ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas obedeceu à fila ao dar preferência à Argentina, que chegou primeiro. Mais: apesar dos pedidos, manteve o embargo à carne brasileira.

Na América Latina, atritos com Venezuela, Argentina e Uruguai comprometeram a natural liderança do país no subcontinente, onde a diplomacia brasileira transitava com desenvoltura e competência para dirimir conflitos. Com o mundo árabe também houve estremecimentos ao ser anunciada a transferência da Embaixada do Brasil de Telavive para Jerusalém. A competente intervenção da ministra da Agricultura contornou a crise.

Mas nem tudo foi amadorismo. Em 2019, o país comemorou um sucesso incontestável. Depois de duas décadas de negociações, o acordo Mercosul-União Europeia chegou a final feliz. É hora de arregaçar as mangas para a ratificação do documento, exigida de todos os países envolvidos. Em 2020, a diplomacia brasileira está convocada a rever as lições caras ao Itamaraty e reconquistar a relevância que a tornou negociador respeitável no delicado concerto das nações.

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